Há algumas semanas, a Tribuna Livre publicou um artigo em que escrevi sobre como medidas econômicas populistas, como a criação de um piso salarial, são péssimas para o país e, principalmente, para a própria categoria que as demanda. Nele, fazendo referência às décadas de protecionismo no mercado nacional, disse que o Brasil não era pobre por determinismo, mas, sim, por escolha.
Agora, escrevo este texto porque faz-se necessário incluir outro fator determinante para a condição do país. O Brasil também é pobre por esquecimento.
Clichês podem ser cansativos, mas têm um mérito. Se são repetidos, é porque possuem um pé na realidade. Por isso, deveríamos saber que um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la.
Essa frase foi dita por Edmund Burke, um dos filósofos conservadores mais importantes de todos os tempos. E aqui é necessário ressaltar que Burke foi em seu tempo um conservador na essência do termo: defensor das instituições e da evolução da sociedade por meio delas, rejeitando revoluções e rupturas institucionais.
Se tivéssemos escutado Burke, o povo brasileiro certamente conheceria melhor seus heróis e olharia com ojeriza para os inimigos da nação. Se tivéssemos escutado Burke, saberíamos que 2022 marca os 90 anos de um dos acontecimentos mais tristes da história deste país.
Para chegarmos lá, é preciso antes voltar a 1915, quando o Ceará sofreu com uma intensa estiagem que inspirou Rachel de Queiroz a escrever “O Quinze”. Naquele ano, para evitar que sertanejos chegassem a Fortaleza, capital do estado, foram criados os primeiros campos de concentração da história da República, que atendiam pelo eufemismo de “Currais do Governo”.
Os campos duraram até o fim daquele ano, e, menos de duas décadas depois, em 1932, uma nova seca atingiu o Ceará. O estado, com o apoio de Getúlio Vargas, decidiu dobrar a desumana aposta de 1915. Ao todo, foram construídos sete campos de concentração, para onde foram enviadas aproximadamente 73 mil pessoas pobres e com fome – muitas delas, para nunca mais sair.
Infelizmente, a propaganda getulista tem sucesso até hoje em esconder a verdade e moldar uma consciência nacional favorável à sua imagem. E aqui eu opto por nem citar a herança maldita deixada por Vargas na forma do desenvolvimentismo e do controle estatal da economia, porque isso deve ser feito de forma mais ampla no debate público.
O inaceitável mesmo é ainda vermos Getúlio Vargas como um grande líder nacional ou simplesmente como alguém digno de apreço.
Getúlio fechou o Congresso, censurou a imprensa e perseguiu e torturou opositores, mas ainda está no imaginário popular como pai dos pobres, quando, na verdade, foi mãe dos ricos. Nas escolas, sua ditadura é muitas vezes passada como apenas uma mancha em sua biografia, quase como uma ditadura do bem, em contraste com os 21 anos de ditadura militar – esta, sim, criticada como deve ser.
Por mais bem-sucedida que seja a busca por ocultar seus horrores de nossa história, não temos o direito de esquecê-la. Getúlio deu dois golpes de Estado. Getúlio alinhou-se ideologicamente ao nazifascismo. A ditadura de Getúlio agiu para impedir a fuga de judeus para o Brasil durante o Holocausto. E, em seu próprio país, há 90 anos, Getúlio construiu campos de concentração de pobres.
Um país que pretende ser sério não pode se dar o direito de não conhecer seu passado.
Getúlio foi e deve ser lembrado, sempre, como um inimigo da nação e da liberdade. Esquecer seus mortos de fome no Ceará não é uma opção.