Oportuno projeto de lei foi aprovado pelo Congresso Nacional para enfrentar a Covid-19 em territórios indígenas, comunidades quilombolas e demais comunidades tradicionais. Ao sancionar a lei, porém, o presidente da República vetou vários artigos que protegiam os povos indígenas, alegando a falta de recursos orçamentários.
A resposta de d. Walmor, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, veio como carta pública ao Congresso Nacional para “solicitar, o mais breve possível, a realização de Sessão do Congresso Nacional para que todos os vetos ao PL 1142/2020 (Lei nº 14.021) sejam analisados e derrubados”. Por seu teor e por sua forma, essa carta deixa evidente a indignação da Igreja católica diante do atual Governo federal.
A carta não cita o trecho do Evangelho em que Jesus convida ao banquete do Reino quem atende as necessidades das pessoas mais vulneráveis, mas sim o trecho onde Jesus condena quem não O reconhece: “Eu estava com fome, e não me deram de comer; com sede e não me deram de beber” (Mt 25,43). O recado é claro.
Essa atitude é justificada pelo Pacto pela Vida e Pelo Brasil, recentemente firmado pela CNBB e por outras entidades. Reconhecendo “a grave crise sanitária, econômica, social e política”, exige-se de “todos, especialmente de governantes e representantes do povo, o exercício de uma cidadania guiada pelos princípios da solidariedade e da dignidade humana”. Ora, os vetos presidenciais atingem diretamente os setores mais necessitados da proteção do Estado: povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Daí a reação da Igreja católica, que, pela voz de seus bispos, apela ao Congresso Nacional que derrube esses “vetos eticamente injustificáveis e desumanos, pois negam direitos e garantias fundamentais à vida dos povos tradicionais”.
Citando os artigos da Constituição de 1988, a carta afirma que “ao abolir a obrigação de acesso à água potável e material de higiene, de oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, bem como (…) alimentação e auxílio emergencial, os vetos violam o princípio da dignidade da pessoa humana”. Daí a “indignação e repúdio” da CNBB, que não engole a desculpa de falta de recursos orçamentários: a Emenda “conhecida como ‘Orçamento de Guerra’ autoriza os gastos necessários para combater a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. É oportuno destacar que essa mesma justificativa não impediu o pronto auxílio para instituições financeiras”. Certamente, a CNBB refere-se ao repasse de títulos podres de bancos privados ao Banco Central no montante de centenas de bilhões de reais a serem cobertos pelo Tesouro Nacional.
Diante dessa realidade que muita gente ainda prefere ignorar, a CNBB afirma, sem medo: “Urge, portanto, uma posição forte, decisiva e definitiva em defesa da vida. Há meses, os povos tradicionais enfrentam a pandemia com números crescentes de contaminados e mortes em seus territórios”. E conclui: “Esperançosa e vigilante, a CNBB continuará acompanhando esse processo. A missão de defender a vida está, mais uma vez, nas mãos do Parlamento brasileiro”.
Ao divulgar esse importante documento, a equipe Igreja em Marcha junta sua voz em defesa dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, seguindo a mesma linha dessa Igreja marcada por bispos como d. Helder Câmara, d. Paulo Arns, d. Luciano Mendes e d. Pedro Casaldáliga.