A água do Paraibuna, como visto, não está para peixe. O conservador Jornal das Moças (1914 – 1965) tinha o slogan “A revista de maior penetração nos lares”. Jornal, segundo o Aulete, significa “remuneração salarial feita por dia de trabalho” ou “qualquer publicação diária”. Guardião do lar modelo, conveniente, como se jactava, distribuía conselhos às candidatas ao matrimônio como: “Se o seu marido fuma, espalhe cinzeiros pela casa”, todo dia. Espalhafatosa, antes de a Geni ser liricamente depredada e depois de a Elza ter literalmente a casa, onde morava com Garrincha, apedrejada na Urca, Leila Diniz apanhou retoricamente da boa sociedade carioca por mostrar-se grávida e barriguda de biquíni na praia de Ipanema.
A palavra “ipanema”, que tem origem no idioma tupi-guarani, significa “lago fedorento”, “rio imprestável” ou “água imprópria para nadar e para pescar”. Nada a ver com as garotas lá e cá. Por aqui, fui surpreendido, por essas épocas, pela visão juvenil de duas mulheres sentadas numa mesa de bar dito conveniente “cheirando álcool e fumando sem parar”. Sintomaticamente, por aqueles tempos que parecem não acabar nunca, como disse um cronista famoso, certo padre dispensava ritualmente a batina e se enfiava vaticano-segundamente nos botecos ditos inconvenientes do Vitorino Braga. Eu vi os botecos e suas mulheres populares, pobres, pretas, brancas e vermelhas, “cheirando álcool e fumando sem parar”, barradas, porém, na onda feminista importada pincipalmente da França. Hoje, comida de boteco é algo da alta gastronomia brejeira.
Li e assisti apenas à notícia, numa reportagem jornalística pudica, como a dizer, ainda não, e escandalosa, como a desdizer, passou dos limites, da sessão de nudez artística no Departamento de Artes (ICE – UFJF). Depois de muito tempo é que me deparei com uma imagem antiga e, já então banal, o quadro A origem do mundo (1866), do francês Gustavo Coubert. Naquele mesmo ano vinha à luz o jornal O Pharol, uma espécie de lamparina modernizadora que a partir de 1870 passou a iluminar o Caminho Novo da locomotiva do progressismo industrializante, a Manchester Mineira, Princesa de Minas, Baronesas todas. Antes, União-Indústria pavimentara o caminho do brejo às praias e provocou ciúme na capital da província mineira, Ouro Preto, traduzido no apodo caprichado “cariocas do brejo”. Pegou como o “urubu” do Flamengo e o “porco” palmeirense e revestiu-se de um quase gentílico afetivo, que os cariocas renovam para fazer o que presumem fazer melhor com toda gente, parlapatear. Saltando mascarado para dentro de um táxi “isturdia” mesmo, o taxista relatou que sua noiva (?!?) belo-horizontina ficou abismada com o “sem cerimônia” do vestuário das mulheres daqui. Uma jovem litorânea que passou num concurso local, “tresantonti”, glosou: – Recatado! Vazou.
Nesse vai e vem, o vendedor noturno de biju, uma iguaria cada vez mais rara, chamado Bijú, acentuava, ao disparo da matraca, nossa carioquice lodosa com uma expressão conhecida: – Será que vai dar praia? em plena orla seca conhecida como Baixo Leblon, às margens do córrego Independência, que corre para o indefectível Paraibuna e segue até… o mar. Profético, em ondas, os frequentadores faziam o zigzag da retirada depois do que pode ser chamado de “batismo de cachaça”. Fato é que o clichê brejeiro nunca antes tinha produzido uma alegoria, carimbo, marca d’água, um clichê que timbrasse o imaginário a ser explorado pela produção local dos sentidos. A reação contrariada contribuiu bastante para a divulgação da notícia, que viralizou. A Ipanema do Brejo tirou onda.