Chegando aos 60 anos de formado em Direito, faço uma retrospectiva do tempo decorrido desde então e tenho a sensação de que o País, hoje, é outro. Outro, em pontos fundamentais, é o ordenamento jurídico. Outras são as instituições, que passaram por abalos e rupturas, até a promulgação da Constituição de 1988. Outros, em boa parte, os costumes e diferentes, da mesma forma, os valores. Outros, enfim, os tempos que a humanidade vive, nos quais, como observou o jornalista Fernando Pedreira, em seu ensaio sobre o sentido do século XX (Summa cum laude), “a velocidade de transformação é … talvez (empurrada pelos progressos tecnológicos e científicos) maior do que em qualquer época histórica, maior mesmo que a do tempo da Revolução Industrial”.
Estava concluindo o curso, quando surgiu o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962), emancipando a mulher, que deixava de ser relativamente incapaz. O Código Civil, de 1916, sofria, assim, significativa alteração e outras iria experimentar, até ser substituído pelo Código de 2002, ora em vigor. Nesse campo ou em outras esferas do Direito, profundas transformações ocorreram, ao longo dos últimos anos. Difícil seria apontar as mais expressivas. Mas é fora de dúvida que a Constituição vigente, apesar de alguns defeitos – o maior dos quais é o de conter tantas normas estranhas à matéria constitucional -, instituiu direitos e concebeu medidas que fortaleceram o cidadão perante o Estado.
Por outro lado, à margem da Constituição, o Direito vem passando por significativas mudanças, entre nós. Importantes leis criaram um sistema de proteção de direitos individuais digno da nossa civilização. Cumpre destacar, entre essas, o Código do Consumidor, que regulou as relações jurídicas, no seu âmbito, de maneira eficaz, suprindo uma lacuna no nosso ordenamento. Talvez estejam aí e na reparabilidade dos danos morais, consagrada pela Constituição, os maiores avanços do nosso Direito, no período a que me reporto.
Foi esse, aliás, um tempo extremamente fértil no campo da legislação, marcado por uma sucessão de códigos e estatutos e por uma abundância de leis, às vezes por demais minudentes, caracterizando o que o prof. Miguel Reale qualificava de “autoritarismo normativista”. Resulta esse fenômeno da crença ingênua de que a lei tudo possa regular e de uma certa desconfiança no trabalho do intérprete ou do aplicador da lei, a quem caberá dar-lhe vida, no caso concreto e saber extrair de suas disposições a solução que esse requer.
Duas frustrações atormentam, hoje, os estudiosos do Direito: as estruturas jurídicas não têm sido capazes de conter o crescimento da violência e a prestação jurisdicional não superou o estigma da morosidade, tornado, aliás, mais grave, com o aumento da litigiosidade e o reduzido alcance, entre nós, dos meios alternativos de solução dos conflitos.
Mudanças relevantes nas relações jurídicas, como se notou, têm ocorrido, mostrando que o direito não é um lago que jaz, mas um rio que corre, acompanhando o curso da civilização. Até mesmo a concepção da família mudou. Nesse particular, se as mudanças corresponderam aos anseios da sociedade, nem por isso deixarão de prevenir-nos contra os excessos, ou seja, contra a aceitação de formas de convivência que ultrapassam os limites éticos admissíveis. Chega a assustar a naturalidade com que se noticiam casos de poligamia ou a formação dos chamados trisais, sob o eufemismo de poliamor, como se isso pudesse representar algo a ser disciplinado, amanhã, pelo Direito. Mais do que nunca, faz-se atual a advertência de Rui Barbosa: “Todas as coisas mudam, sobre uma base que não muda nunca.”