Fui apresentado ao memorialista Pedro Nava pela professora Ilma de Castro Barros e Salgado. Foi um encontro tão arrebatador que quis guardar todo o conjunto de sua obra em uma caixa mágica, como se possível isso fosse. Pouco depois, ela me contou de seus gostos, do seu jeito e até a “cadeira fantasma” me mostrou. A conexão com o escritor foi tão grande que saí em disparada, percorrendo quilômetros, passando pela Estação de Cotegipe onde sua avó vendia doces, até encontrar as ruínas daquela que fora a primeira morada dos Nava. Essa experiência foi reveladora e transformadora em minha vida.
Como na crônica “Esquecer para Lembrar”, de Rubem Alves, onde a personagem raspa a tinta das paredes de sua casa em busca da cor original, camada por camada, até encontrar o Pinho de Riga, comecei a entender o quão importante é contar histórias, pois elas ajudam a (re)construir nossa identidade – individual e coletiva e, apesar de um dos traços da nossa mineiridade ser o bom hábito de prosear, tomando um café preto feito no coador de pano (nada de estrangeirices, como capuccinos), me dou conta hoje de que nossas memórias estão se apagando, como se um vírus de computador estivesse invadindo nossas vidas e as deletando de nossa história.
Sugestivamente, fui cooptado a participar de um grupo chamado “Baú de Ossos”, formado por um bando de loucos e idealistas (assim como eu) que tem por finalidade levantar a discussão e propor ações que visem à preservação da memória e da cultura de Juiz de Fora. Desde então, tenho acompanhado seguidas demonstrações de nostalgia quando as pessoas reencontram a foto da “velha rodoviária”, ou os mais novos descobrem que no local onde hoje funciona uma famosa casa noturna, reza a lenda, já foi palco de uma tragédia matrimonial.
Mas nem tudo são flores, e o grupo se vê hoje às voltas com a polêmica do (não) tombamento do estádio do Tupynambás – Estádio José Paiz Soares – que se outrora foi palco de vitórias e histórias, hoje se vê derrotado pelo poderio econômico, tal como tantos outros prédios que fizeram parte da vida da cidade – quem não se lembra da magnitude do Cine Excelsior, em oposição à pequenez do Cine Palace, ou dos casarões da Avenida Rio Branco, que, do dia para a noite, vieram ao chão atendendo aos interesses de espólios familiares.
Sei que esse pode parecer um discurso romanceado e saudosista, mas, para além do drama, existe um fato real que impacta diretamente a nossa vida em sociedade: estamos perdendo o hábito de contar histórias. Em um mundo de instantâneos, de likes e follows, as novas gerações não se reconhecem, nem se identificam mais com o espaço onde nasceram e onde vivem, ao contrário, estão se preparando para viver em um metaverso (quando ouço isso lembro de Jornada nas Estrelas, que embalou minha imaginação juvenil), e isso, no meu modo de ver, é muito sério.
A capacidade de contar histórias é um dos traços distintivos de nossa condição humana, e é através dessa prática ancestral que revisitamos nossos antepassados e atualizamos nossos mitos, construindo, assim, identidade. Que velhos e jovens possam resgatar essa boa prática mineiríssima de contar causos e prosear sobre as estórias de família acontecidas nas ruas e nos bairros da cidade, mantendo viva, assim espero, a nossa memória.