“Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com o FHC, não deixar para fora, não, matando! Se vão morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.” (Declaração do então deputado federal Jair Bolsonaro no programa Câmera Aberta, da emissora Band, em 1999).
De fato, tudo leva a crer que há uma mudança em andamento no país, mas que não faz eco às aspirações golpistas de Bolsonaro. A ordem nasce do caos, ou, como disse Pablo Picasso, todo ato de criação é antes de tudo um ato de destruição, e o Brasil, caótico como está, parece caminhar nesse sentido. Talvez o atual governo seja metáfora de uma invasão bárbara, remédio amargo que o país precisa tomar para reagir.
Há discordâncias políticas por todos os lados, revelando um profundo mal-estar na sociedade. Nossa democracia está sendo posta à prova. Quase 20 milhões de brasileiros não estão comendo nem osso, e mais da metade da população encontra-se em insegurança alimentar. Educar o povo ou deixa-lo passar fome pode levar a uma revolução num país – e aqui o presidente diz que “tem que todo mundo comprar fuzil, pô”.
Sua pulsão de morte, os surtos antidemocráticos de Jair Bolsonaro, que acabaram colocando-o contra a parede, como no patético sete de setembro, em que bradou para cerca de 130 mil pessoas em São Paulo que não mais cumpriria determinações do STF e depois recuou, intimidado, são exemplares. Nesse disse-não-disse, até seus seguidores mais fiéis vão sentindo a distopia promovida no país pelo presidente e por sua trupe, pois nossa consciência é formada por contrastes.
Em seu poema “À espera dos bárbaros”, Konstantinos Kaváfis mostra que o mal é a forja do bem, que a barbárie, num aparente paradoxo, é positiva, pois impulsiona para frente, quebra estruturas arcaicas, sacode, obriga a revisão de valores e acorda o orgulho cívico e a resistência adormecidos na alma do povo. Não seria essa a nossa situação atual?
Na pólis, todos esperam inquietos a chegada dos brutos. Os senadores não mais legislam, o imperador aguarda solícito no trono, os cônsules e os pretores usam togas de púrpura e joias cintilantes para impressionar, os oradores cessam seus discursos. Mas cai a noite, e os bárbaros não chegam. E agora?! Como o povo reage? Dizem as três últimas estrofes do poema:
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa desapontados?
Porque já é noite, os bárbaros não vêm,
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
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