O ano era 2002. Fernando Henrique Cardoso entrava em seu último ano de mandato, o Brasil conquistava sua quinta vitória na Copa do Mundo, e o piercing no umbigo era febre. Nesse contexto tão distante da nossa realidade, surgia na televisão aberta um programa que permanece até hoje na cultura popular: o Big Brother Brasil.
Tão amado quanto odiado, o BBB surgia na Rede Globo com uma proposta de entretenimento curiosa: confinar pessoas anônimas em uma casa repleta de câmeras, longe da vida real, em disputa por uma bolada em dinheiro. Quase 20 anos depois, a fórmula segue sendo palco para diversos debates, dos mais sérios aos mais banais.
Muitos não sabem, mas o Big Brother tem origem na literatura. O reality, assim como filmes e séries, foi inspirado no livro “1984”, de George Orwell. No romance, o “grande irmão” é o líder de uma sociedade que monitora tudo e todos através de câmeras, em uma crítica ao totalitarismo, uma vez que os moradores não conseguiam fugir dos julgamentos e da realidade nua e crua. Pese as conspirações, o BBB segue sendo isso: uma foto da sociedade sem filtros. Indo mais além, um retrato de várias sociedades.
Isso porque é curioso como, de edição em edição, muda-se o perfil dos vencedores. Como explicar que Paula, vencedora do BBB 19 acusada de racismo, tenha levado o prêmio um ano antes de Thelma, da 20ª edição, uma mulher preta que levantava a bandeira racial? Também o reverso: Jean Wyllys, gay assumido, venceu o BBB, 5 e, cinco anos depois, Marcelo Dourado, acusado por muitos de homofobia, também saiu com a vitória.
É necessário entender que cada edição se passa em um contexto de uma sociedade. Paula levou seu milhão no ano do início do, também polêmico, mandato de Jair Bolsonaro como presidente da República. Thelma teve seu triunfo quando as pautas de representatividade negras eram mais debatidas do que nunca. Méritos e deméritos à parte, não é ilusório defender que nenhuma das duas venceria a edição da outra.
Mais que o reflexo de uma sociedade, o “grande irmão” pode ser encarado como um grande contador de história. Ele precisa de um enredo que, esporadicamente, se calça em nossa sociedade. Machismo, assédio sexual, luta de classes e até briga por seguidores já foram pautas do BBB. Mais que abraçar assuntos do dia a dia, ele também impõe o que será colocado na mesa para ser discutido por todo o país. Os resultados de cada edição conversam sobre o que o público da vez absorve, ressalta e abraça.
Goste ou não do reality, é inegável que, quanto mais questões polêmicas o BBB levantar, mais ele irá refletir o “paredão da vida real”. Até que ponto isso conscientiza ou banaliza seus temas é outra conversa.
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