A Fundação Palmares é uma instituição do Estado brasileiro e não pode servir a interesses contrários, porque seus objetivos não são políticos, mas, sim, de promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. Em outras palavras, trata-se de uma entidade pública, instituída pela Lei Federal nº 7.668, de 22 de agosto de 1988.
Para quem conhece a história do Brasil, desde o seu descobrimento ainda em 1500, não tem como negar que a dívida moral com os negros se estende até os tempos atuais. A escravidão foi um verdadeiro genocídio brasileiro, desde a “caça” em território africano, passando pelo transporte nos navios negreiros, pela sua comercialização em território brasileiro até a sua venda para o senhor de engenho.
Segundo Laurentino Gomes (2019), o Brasil foi o maior território escravagista do hemisfério ocidental por quase três séculos e meio. Recebeu, sozinho, quase cinco milhões de africanos cativos, a maioria de Angola. A história da escravidão africana no Brasil é repleta de dor e sofrimento. Nesse período, o Atlântico foi o cemitério de 1,8 milhão de cativos. O transporte era tenebroso: 50 a 70 dias acorrentados uns aos outros, marcados com ferro em brasa, em compartimentos minúsculos, urinavam e defecavam no próprio espaço em que dormiam, criando um ambiente fétido, irrespirável e nauseante. Era a navegação mais dolorosa que existia no mundo, segundo relatos da época. Para o capuchinho italiano Giuseppe Monari, era um inferno de choros, confusão, fedor, e uma grande quantidade de piolhos devorava aqueles pobres negros. Esses relatos nos auxiliam a compreender o tamanho da maldade da escravidão negra no Brasil.
O atual presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, é o exemplo do contrassenso: para ele, Marielle é uma mulher sem valor; além disso, xingou Zumbi dos Palmares, chamou o movimento negro de escória maldita, ironizou o Dia da Consciência Negra, disse que não vai ter um centavo para macumbeiro e que a escravidão negra foi benéfica para os negros, além de discordar das cotas raciais. É o racismo em sua essência! É o desconhecimento absoluto do que foi a escravidão negra!
Declarações como essas demonstram a total falta de sensibilidade do que foi a escravidão negra no Brasil por parte de Sérgio Camargo. Livros como Escravidão, de Laurentino Gomes, não fazem parte de sua literatura. A ideologia cega seus sentimentos. A ignorância avassala sua mente. Este é o retrato do racismo estrutural: privilegia algumas raças em detrimento de outras.
Já dizia Tomás Sankara, líder africano: “Um escravo que não é capaz de assumir sua revolta não merece nossa piedade; esse escravo responderá sozinho por seu infortúnio, se forma ilusões sobre a condescendência suspeita de um mestre que finge emancipá-lo. Só a luta liberta”.