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A verdade eleitoral

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O cerne do regime democrático está na fiel correspondência entre a vontade do eleitor e a representação política que a exprime. Isso envolve a legitimidade da representação popular, cuja existência pressupõe canais adequados para a sua formação e veículos idôneos por meio dos quais se realize. Os primeiros dizem respeito à organização política, que tem nos partidos sua estrutura funcional. Os segundos referem-se à forma de expressão material da vontade de cada cidadão, ou seja, o voto e seu regular processamento.

No Brasil, temos evoluído quanto ao último aspecto, mas vimos retrocedendo, de maneira preocupante, com relação ao anterior. A forma de votar e o processo de apuração do voto colocam-nos em posição destacada no panorama mundial, fazendo da nossa democracia um paradigma para as nações mais adiantadas. Longa e penosa foi, sem dúvida, a evolução do sistema brasileiro até atingir o ponto em que hoje nos situamos. Para nos atermos aos limites históricos da República, cabe recordar as famosas eleições a bico de pena, nas quais o que valia não era o voto dado pelos eleitores, mas a ata redigida pelos mesários, cujas penas ágeis compunham, não raro, obras de ficção. Contra esse sistema – o sistema da ata falsa – se fez uma revolução – a Revolução de 1930 -, cuja principal bandeira era a defesa da verdade eleitoral. Mas a forma como o governo ditatorial dela emergente regulou o voto, no Código Eleitoral de 1932, longe estava de imprimir-lhe maior autenticidade.

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Por muito tempo, atravessando, mesmo, boa parte do regime constitucional de 1946, continuamos a adotar cédulas individuais de votação, impressas pelos próprios partidos políticos e que permitiam aos candidatos manobrar a votação, oferecendo (ou impingindo) ao eleitor a chamada marmita, isto é, o envelope adrede preparado de que ele, em muitos casos, se tornava mero instrumento, ao colocá-lo na urna tal qual o recebera. Um grande passo no sentido do aperfeiçoamento do voto se deu, em 1955, com a adoção da cédula única para a escolha do presidente da República, embora, na eleição daquele ano, o sistema se mostrasse um tanto frágil, porque a cédula única não era, ainda, a cédula oficial, sendo a sua distribuição feita pelos próprios partidos políticos. Prevaleceu, naquela primeira experiência, o argumento especioso de que a Justiça Eleitoral não se achava preparada para assegurar a distribuição regular da cédula a todo o país ou não podia contar com a Força Aérea para esse fim, porque esta seria suscetível de influência do partido de oposição, a UDN, o que mais se batera pela adoção da cédula única. Mas, na eleição seguinte, de 1960, a cédula tornou-se, finalmente, oficial e, depois, seria estendida também às eleições proporcionais. Sua substituição viria com a implantação das urnas eletrônicas, em 1996, quando atingimos o nível de autenticidade e eficiência que nos tem assegurado um processo de votação exemplar, contra o qual somente se arguem suspeitas fantasiosas.

No que tange, porém, à organização partidária, o quadro atual mostra absoluta falta de autenticidade. Trinta e três partidos, muitos deles meras legendas burocráticas, sem ideário, sem objetivos claros, sem identificação com segmentos sociais, sem representatividade, enfim, e que não chegam, por isso, a granjear adeptos, como, outrora, acontecia com os grandes partidos do antigo regime, o PSD, a UDN e o PTB. Ao artificialismo desse quadro (ou como consequência dele) acresce-se a falta de renovação de lideranças, a dificuldade de atrair novos valores para a vida pública, o que explica o fato de a classe política, no país, presentemente, se mostrar tão destoante da que tivemos no passado. A vontade eleitoral precisa encontrar meios de melhor expressar-se e líderes capazes de interpretá-la.

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