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Torto Arado em linhas certas

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No começo o achei lânguido e restrito a um drama local interiorano, como tantos outros desse vasto Brasil, inclusive da Zona da Mata Mineira. Contudo, paulatinamente, comecei a perceber um contorno mais amplo. O registro vivenciado da comunidade de colonos da fazenda Água Negra era, de fato, uma síntese da evolução da sociedade brasileira dos últimos 200 anos. Desde a barbárie da pilhagem em busca da riqueza material, passando pela apropriação privada da terra, independentemente da licitude ou da grilagem, até o estabelecimento dos direitos individuais, do movimento de união dos trabalhadores e dos impactos das políticas de equidade social. Avanços que naturalmente, como lamentavelmente sabemos, suscitaram discórdias, injustiças e vidas ceifadas por ação e reação.

Lendo um pouco sobre a vida do autor, compreendi que sua produção não veio somente da inspiração, mas emanou de parte de sua transpiração. Sua progressão educacional e a maturidade acadêmica alinhavaram um belo livro, que, inclusive, foi merecedor de importantes prêmios literários. Torto Arado revela nova evidência do processo pedagógico inserido plenamente na acepção de humanização tratada por Paulo Freire no clássico e instigante Pedagogia do Oprimido. Itamar Vieira Jr é um exímio escritor, detentor de polida habilidade para lidar com o tempo dos acontecimentos de forma mais sofisticada do que somente o ir e voltar. Há enlevos e revelações a cada ciclo como a sutileza de uma voluta arquitetônica.

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Além da síntese de um processo de exploração patrimonial herdado das práticas coloniais, Itamar desnuda o equivalente no elemento metafísico. Isso ficou patente, em tempos presentes, quando prepostos de instituições religiosas tentam converter, ou melhor, dominar e expropriar os ritos culturais das primevas comunidades. Não obstante, o ponto culminante, para mim, foi a anímica transmutação – em onças – de alguns dos protagonistas que revelaram similaridades com ritos celtas que reconhecem a existência do “dragão” dentro de cada um de nós.

Contudo, segundo esse rito, é nosso dever dominá-lo e jamais extirpá-lo de nossa alma, pois há momentos na vida em que ele deverá voar… Quiçá, seja isso que as imagens de São Jorge denotam: um dragão ainda vivo, mas subjugado que poderá ser liberto, se necessário.

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“O divino e o decadente não estão, necessariamente, em cima ou abaixo, mas dentro e entre nós… Crescerá aquele que for mais nutrido por nós.”

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