Em seu “Tratado Político”, o filósofo Baruch Spinoza diz que, na democracia, as leis se fundamentam na pura razão e que se todos eram iguais no direito de natureza (que não pode ser revogado, em hipótese alguma), continuam a ser no estado democrático, pois esse é um arranjo daquele orientado pela razão. Para Spinoza, o princípio da liberdade e o da natureza são equivalentes ao estado democrático.
“O direito de natureza, que é próprio do gênero humano, dificilmente pode conceber-se a não ser onde os homens têm direitos comuns e podem, juntos, reivindicar para si terras que possam habitar e cultivar, fortificar-se, repelir toda a força e viver segundo o parecer comum de todos eles. Com efeito, quanto mais forem assim os que se põem de acordo, mais direitos terão todos juntos”, diz Spinoza.
Entretanto, se esse estado se degenera e fere tais princípios, é legítimo que os prejudicados o rejeitem radicalmente. O apetite insaciável de alguns não pode sobrepor-se aos demais, já que a premissa do estado democrático é que ele seja útil a todos. Nesse caso, é necessário evocar o direito de natureza, princípio organizador, e opor-se a essa degeneração que põe em risco o pacto que sustenta o estado democrático e do qual toda a população é signatária.
Como ensina Spinoza, a sociedade constitui-se num corpo que quer conservar-se e, para isso, precisa ser saudável. Dessa forma, pode-se até mesmo afirmar que a tomada de posição contra esses apetites insaciáveis não é apenas política, como também terapêutica, já que a revolta é o princípio da cura.
Contextualizando, o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo. Entretanto mais da metade de sua população encontra-se em estado de insegurança alimentar, o que deslegitima inaceitavelmente o seu direito de natureza com a consequente ameaça ao pacto social. Tendo apenas o lucro como fim, visando apenas seu bem-estar, os detentores do capital e dos meios de produção desorganizam a sociedade. E o Estado brasileiro, cuja função é regular as relações sociais, exime-se de qualquer responsabilidade. O deus-mercado reina despoticamente.
Em 1930, na Índia, Mahatma Ghandi organizou a Marcha do Sal, uma ação não violenta de desobediência civil contra os ingleses colonizadores que impediam os indianos de extraírem o próprio sal. O movimento espalhou-se pelo país e comoveu a opinião pública mundial, redundando, 17 anos depois, na independência do país.
Aos “politicamente corretos”, vale lembrar que a desobediência civil é positiva, reconstrutora, que não pode ser enquadrada como vandalismo ou desordem, pois nega situações e leis injustas com intenção de reparar danos causados à sociedade, como a violência multifacetada que come solta pelo nosso país, hoje bem representada sem nenhum pudor na dança dos preços nas prateleiras e gôndolas dos supermercados.
Como submeter-se ad aeternum a essa degeneração?