A primeira barreira foi o oceano: em 1963, atravessou o Atlântico para exercer seu ministério na arquidiocese de Juiz de Fora. Deixou a família e a diocese onde fora ordenado e dedicou-se a aprender o português e integrar-se à realidade de Lima Duarte, Olaria e Ibitipoca, para atuar como vigário cooperador.
Ao chegar à paróquia, encontrou uma barreira só superada ao preço de abrir mão de seu nome. O padre que lá estava também se chamava Bernard e, para evitar confusões, o novato passou a usar apenas seu segundo nome: pe. Marcel, que acabou virando pe. Marcelo.
Dois anos depois, passou a morar em Juiz de Fora, para acompanhar a pastoral operária. Mas não abandonou o trabalho pastoral na região de Lima Duarte, para onde subia todo fim de semana. Substituiu o cavalo pela motocicleta – a primeira da região – sendo apelidado como “padre da moto”. Ao ver crianças que morriam ainda pequeninas, providenciou a formação básica de higiene e cuidados de saúde para parteiras e rezadeiras. Seu campo de ação passou a atender também pessoas picadas por cascavel. O povo aprendeu a enviar as serpentes vivas para o Instituto Butantã, para receber em troca soro antiofídico que seria aplicado pelas rezadeiras. Resultado: viajava levando cascavéis na moto.
Na segunda-feira, o padre voltava ao trabalho na cidade. Como se não bastasse a pastoral operária, assumiu mais responsabilidades na pastoral social. A mais desafiadora foi o acompanhamento às trabalhadoras da noite na zona de prostituição. Para aliviar a carga daquelas mulheres, a equipe de pastoral mantinha uma creche. Ali Marcelo conheceu Gabriela, agente social cuja dedicação o impressionou. Da admiração recíproca nasceu uma amizade que desabrochou num grande amor.
Por fidelidade a esse amor humano, o passo seguinte era o casamento. Mas havia que superar três barreiras. A primeira, porque Gabriela era negra, e sua família desconfiava das intenções do padre. Seu pai chegou a interpelá-lo: “Quer a minha filha como esposa ou como empregada?” A resposta valeu até o último dia de vida da amada: foi um marido amoroso e companheiro. Quando a creche foi fechada, Marcelo e Gabriela acolheram em sua casa três meninas e, logo depois, seus três filhos.
Outra barreira era econômica: o seminário o havia formado para ser padre, não para exercer atividade profissional. Para superá-la, Marcelo fez o curso de eletrotécnica, tornando-se um eletricista muito requisitado na cidade.
A terceira barreira era a mais dura: renunciar à vocação sacerdotal para cumprir a obrigação do celibato. Marcelo não renunciou. Apenas substituiu as atividades sacramentais pela pastoral social. Dentro do templo era um leigo como outros, mas na cidade era o mesmo padre de sempre. Atendia todas as pessoas que dele precisavam, especialmente aquelas que, segundo o Evangelho, nos precedem no Reino de Deus. Mas não se furtou a prestar assistência espiritual à Renovação Cristã, movimento que reunia mulheres da elite local, porque sabia escutar quem quisesse se aconselhar com ele. Sua atuação na pastoral social o levou a assumir a coordenação da Comissão de Justiça e Paz e a acompanhar a ACO, entre outros movimentos sociais! Assim, manteve seu sacerdócio no que hoje é chamada Igreja em saída, sendo muito estimado na comunidade católica e pela cidade.
Para concluir: diante da imposição eclesiástica do celibato, renunciou às atividades exclusivas do sacerdote católico, mas exerceu plenamente o sacerdócio imprimido pelo Batismo. Em depoimento dado aos 89 anos de idade, Marcelo reafirmou sua vocação sacerdotal dizendo, enfaticamente, “não me tornei ex-padre, sou um padre casado”.
Ao celebrar a páscoa definitiva desse seu membro, a equipe “Igreja em Marcha” agradece a Deus esse presente que foi, para a Comunidade Católica de Juiz de Fora, a vida do pe. Bernard Marcelo Crochet.
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