O liberalismo corresponde a uma corrente de ideias que procura definir as relações no plano político-social, seja dos cidadãos entre si, seja entre esses e o Estado, em função da liberdade individual de cada um e da dignidade da pessoa humana. Do ideário liberal resultam a proteção dos direitos individuais e a garantia dos chamados direitos públicos subjetivos, que são aqueles que a Constituição assegura ao respectivo titular em face do ordenamento estatal. O liberalismo opõe-se, portanto, aos regimes autoritários, que fazem dos indivíduos servos do Estado, e não se compadece com a concepção de uma sociedade de massas, na qual a individualidade se perca no conjunto social e cada qual passe a ser mero componente de um todo indistinto. Nele, o indivíduo não se torna invisível no meio da multidão, como se formasse com os demais um rebanho de seres aos quais só interessasse a subsistência ou mesmo um relativo conforto material. Daí ser o liberalismo incompatível com o comunismo, que, a pretexto de atender às necessidades, considera legítimo restringir as liberdades.
A democracia é o regime político capaz de assegurar o liberalismo. Mas às vezes ocorre de os dois modelos políticos se dissociarem, funcionando o primeiro, na sua essência, como o governo do povo para o povo, sem que a liberdade individual, contudo, seja respeitada em toda a sua dimensão. Norberto Bobbio chamou a atenção para esse ponto em livro cujo título já parece sugerir a possibilidade de uma dicotomia: Liberalismo e Democracia. Não basta a representação adequada dos cidadãos nos órgãos de deliberação e decisão, é indispensável que àqueles se assegurem, na vida democrática, direitos essenciais à liberdade. O presidente Roosevelt enunciou esses direitos no catálogo das suas famosas quatro liberdades: liberdade de expressão, liberdade de religião, liberdade de não ter fome, liberdade de não ter medo.
A liberdade de expressão pode ser ameaçada não só pelo Estado como pelos próprios concidadãos. A intolerância é o fator determinante das condutas atentatórias à primeira das liberdades. A conduta dos que não reconhecem aos adversários os mesmos direitos que invocam na defesa de suas ideias e, por isso, não são capazes de ouvi-los; o ódio disseminado nas redes sociais contra os que pensam diferentemente; a tendência de quem, a pretexto de combater discriminações, vislumbra ofensas até no uso de termos consagrados da língua, criando, assim, um preconceito às avessas; a volúpia dos que, seguindo a mesma linha, ainda que beirando o ridículo, pretendem modificar a própria gramática – tudo isso vai no sentido contrário ao liberalismo. Da mesma forma, o fundamentalismo religioso, gerando clima de animosidade com toda crença contrária. O egoísmo dos que têm muito e se mostram insensíveis aos que passam fome; as políticas governamentais que ignoram a prioridade desse problema; a corrupção que dele desvia recursos públicos que poderiam debelá-lo são também a negação de uma liberdade essencial. Por fim, a liberdade de não ter medo desaparece numa sociedade em que o crime e a violência campeiam, falhando o Estado no seu dever de contê-los e puni-los.
Mas a liberdade de não ter medo é posta em xeque, por outro lado, quando as instituições se veem em risco, e até o mais alto tribunal do país é alvo de ataques e ameaças. Num ano de eleições, como o atual, é preciso preservar o indispensável clima de paz e tranquilidade entre os brasileiros, para que estes se manifestem livremente e, sobretudo, para que o panorama institucional não seja turvado pelo comprometimento da liberdade de expressão, que assegura o exercício da vontade eleitoral. Sem isso, não há liberalismo.