“Para ser pátria amada, não pode ser pátria armada!” As palavras de dom Orlando Brandes, em sua pregação no dia da Padroeira do Brasil, ecoaram por toda parte como um recado direcionado ao presidente do país, que horas mais tarde participou de uma cerimônia no Santuário Nacional. O arcebispo de Aparecida também agradeceu a Nossa Senhora por ter sido “consoladora, conselheira, mestra, companheira e guia do povo brasileiro” no enfrentamento à pandemia, destacando a importância da ciência e da vacina.
Não deveria causar alarde que um líder religioso exaltasse a cultura de vida, saúde, e não a violência, mas, num país presidido por um político que nega as medidas sanitárias e a vacina, defensor de se armar a população, cogitando inclusive que isso é um pressuposto bíblico, o óbvio torna-se necessário e pujante.
No entanto o episódio nos convida a refletir sobre a laicidade do Estado e sobre a importância das religiões a defenderem, em especial, a Igreja Católica. De fato, antes de a Constituição republicana de 1891 tornar o Estado laico, ela era a religião oficial e resguardou esse status de diferentes formas, do calendário à proximidade com o poder político. Hoje, a postura de representante e protetora de seus fiéis, mais afeita a uma instituição da sociedade civil, se mostra mais condizente com os contornos republicanos do país e com os ensinamentos e as atitudes de seu fundador.
A própria história da devoção a Nossa Senhora Aparecida serve-nos de ilustração. Ainda durante o período imperial, a imagem milagrosa foi visitada pelos representantes da família imperial, tendo recebido uma coroa e um manto da princesa Isabel. Sua coroação, no entanto, se deu já na República com a presença do presidente em 1904.
Mas foi na década de 1930, início da chamada Era Vargas, que Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi proclamada Rainha do Brasil e sua Padroeira Principal, por decreto do Papa Pio XI. O reconhecimento oficial como Padroeira do Brasil pela República veio com o decreto do feriado nacional em 1980. Também seu manto, que passou por diversas mudanças ao longo dos anos, atesta a aproximação de Estado e Igreja com as bandeiras do Brasil e do Vaticano. No Regime Militar, até o título inusitado e único de “Generalíssima do Exército Brasileiro” Nossa Senhora Aparecida recebeu. O que faz com que a conturbada ida do atual presidente à sua Basílica seja só mais um episódio nessa longa trajetória.
O que mudou parece ser o amadurecimento da laicidade, a ser defendida, quando não pelo Estado, então pelas religiões, todas elas! Posto que se de um lado algumas se alinham, de outro as demais são marginalizadas, discriminadas e até perseguidas.
E é isso também que a devoção a Nossa Senhora Aparecida nos ensina. Trata-se de uma espiritualidade do desterro, de romeiros de todo o país, pobres e vulneráveis de toda sorte, que aos milhares para a Basílica se dirigem, a fim de fazer seu próprio achamento da imagem milagrosa. De certo, alguns podem até não saber rezar, mas todos vão para mostrar seu olhar em prece, agradecimento e veneração. E a Negra Mariama chama!
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