O primeiro artigo da nossa Constituição Federal declara que todo poder emana do povo. Portanto somos uma democracia, sistema político em que os cidadãos escolhem, livre e legitimamente, através do voto, aqueles que os representam na condução do país a um destino ideal de inclusão, paz e prosperidade. É isso que tem acontecido no Brasil?
Muito pelo contrário. O contingente de pessoas que se encontram em situação de extrema pobreza no país, que inclui os que vivem com menos de R$ 10 por dia, ganhou em torno de 170 mil novos integrantes em 2019, totalizando 13,8 milhões de famintos. Esse é o quinto ano seguido no qual o número de brasileiros na miséria cresce. Se todo poder emana do povo, e se somos um país tão rico, por que estamos nessa penúria? Tem algo errado com o nosso conceito de soberania, não?
E começa pelo voto, que é obrigatório. Caso contrário, o eleitor (que faz parte do povo soberano) terá que se explicar ou será multado. Veja a contradição! Se o povo detém o poder, a escolha dos administradores do país através do voto não é de sua livre iniciativa, sem qualquer tutela?
Tem pior: em seu Artigo 14, a Constituição de 1988 declara que o povo é também soberano na elaboração do plebiscito, do referendo e dos projetos de lei de iniciativa popular. Mas a própria Carta Magna cassa essa soberania no seu Artigo 49, inciso XV, ao declarar que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar plebiscito e convocar referendo”, obrigando, assim, o dono da casa a pedir licença aos seus empregados para exercer sua autoridade. Escandalosa inversão! Onde já se viu comandante bater continência para comandado?
Quanto à iniciativa popular, para a qual a Constituição (Art. 61, parágrafo 2º) exige a assinatura de, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles, há outro gargalo: a exigência de reconhecimento, pelos funcionários da Câmara dos Deputados, das assinaturas de todos os subscritores. Resultado: nenhum projeto de lei unicamente de iniciativa popular passou no Congresso Nacional até hoje.
É inútil continuar fazendo as mesmas coisas esperando resultados diferentes. Sabemos que essas (e outras) eleições são mais do mesmo. Projetos e projetinhos de poder. Às vezes, nem isso, é só pelo dinheiro mesmo. Mudanças estruturais só virão com organização e manifestação da sociedade, com o reconhecimento de seus direitos, com a sua emancipação política pela educação e consequente alargamento cultural, com uma imprensa realmente livre e apartidária, inclusive nos municípios menores, que esteja “de rabo preso com o povo”, com ruidosas manifestações pela democracia, com o engajamento no processo político de formadores de opinião, intelectuais, artistas, líderes comunitários, enfim, gente consciente que, ainda que não sejam do povo, sejam para o povo.
De outra forma, votos continuarão sendo úteis apenas para quem os recebe, e a senzala continuará votando na Casa Grande, como já foi dito, essa eterna senzala que se mantém assim pela ignorância, que no Brasil é planejada e que é a mãe de todas as nossas misérias.
Este espaço é livre para a circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail (leitores@tribunademinas.com.br) e devem ter, no máximo, 30 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.