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A dor das coisas

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Há pouco mais de um ano, publiquei neste espaço algumas reflexões sobre o que vivíamos e sobre o que imaginava que viveríamos em relação à pandemia, que então dava os seus primeiros passos. E hoje, enquanto escrevo estas linhas, para a Covid, o nosso país já perdeu aproximadamente “meia Juiz de Fora” em número de vidas, se descontada a óbvia subnotificação.

Nesse ínterim, algumas coisas e pessoas perderam seus sentidos de sê-las. Algumas casas não terão mais seus donos, alguns aparelhos eletrodomésticos não serão utilizados, churrascos não serão comidos, blusinhas não serão vestidas, shoppings não serão visitados, cervejas esquentarão e não serão consumidas, carrões serão devolvidos aos bancos, mesas de trabalho não serão mais ocupadas, quartos de bebê não serão pintados, pagodes deixarão de ser cantados, medicamentos ineficazes continuarão sendo ineficazes.

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Os palanques continuarão a ser ocupados por algum político de passado sombrio, com ambições eleitorais, sem escrúpulos, se aproveitando da dor das coisas que perderam os seus humanos para uma doença covarde, implacável, ardilosa, sorrateira e oportunista, como o político ocupante do palanque.

A dor das coisas é maior e comove mais que a dor das pessoas, afinal, coisas normalmente vêm com etiquetas de preço; pessoas, não.

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Dia desses ouvi um longo grito, seguido de um choro alto, daqueles que dão até vontade da gente chorar junto. Era uma vizinha que acabara de enterrar seu pai, um tipo popular do bairro, daqueles que enchem o peito e dizem “quando eu cheguei, isso aqui era tudo mato…”. Me sentindo desconfortável, abaixei o volume de “Breathe”, do “The Prodigy” (quanta ironia nesse título, não?), mas o desconforto não passou. Desliga isso, Fabio! Pensei, e assim fiz. Meio desconcertado, liguei a TV, e no noticiário local passava uma reportagem sobre um protesto dos comerciantes locais pedindo a reabertura do comércio. Desliguei.

Pelo que ouvi da rua, percebi que nenhum dos vizinhos tinha abaixado o volume de suas músicas ou mesmo de suas algazarras cotidianas. Os tempos e as gentes estão estranhos. A dor das coisas grita mais alto que a dor das pessoas. E Epíone tem trabalhado como nunca.

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