Conforme anunciou esta coluna na última semana de outubro, realizou-se a 1ª Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe. Cerca de cem pessoas reuniram-se no santuário de Guadalupe, no México, e outras quase 900 participaram por videoconferência, inaugurando um novo modo de deliberação na Igreja Católica. Apesar de sua importância, ela quase não ocupou espaço na mídia. Para preencher essa lacuna, oferecemos aos leitores e às leitoras de “Igreja em Marcha” uma apreciação do que representa esse evento para o futuro da Igreja.
A centralidade do poder eclesiástico na pessoa do Papa e da Cúria Romana foi superada pela Concílio Vaticano II, que recuperou a antiga tradição da colegialidade episcopal. Ela diz que a autoridade do bispo não se restringe ao governo da própria diocese (ou arquidiocese), mas estende-se ao conjunto da Igreja, desde que o bispo esteja em comunhão com os outros. Fruto mais conhecido desse princípio da colegialidade são as Conferências Episcopais – no Brasil, a CNBB – que devem orientar a Pastoral de conjunto da Igreja local.
A Conferência Episcopal da América Latina e Caribe (ALeC) ganhou muito destaque na Igreja quando, em 1968, dedicou-se a adaptar às diretrizes do Concílio Vaticano II às condições do nosso Continente. Realizado no horizonte cultural e político europeu, o Concílio pedia que a Igreja se abrisse ao mundo moderno. Em nosso Continente, porém, o maior desafio não era a modernidade, mas o mundo dos pobres, fruto da injustiça social e econômica. Por isso, os bispos reunidos em Medellín deram início ao grande movimento de abertura da Igreja aos pobres, criando Comunidades Eclesiais de Base, Comissões de Justiça e Paz e as diversas pastorais sociais (da Terra, Povos Indígenas, Trabalhadores, Crianças e tantas outras). E o Papa Paulo VI deu sua aprovação a essas inovações pastorais que ele, de Roma, não teria condições de criar.
O exemplo do nosso continente estendeu-se a outras Conferências, e, em poucos anos, a África, Ásia e Europa fizeram o mesmo esforço de adaptar o concílio Vaticano II às suas realidades. Assim a Igreja católica foi abandonando o rosto monolítico do final do século XIX e adquiriu diferentes formas de ser a mesma Igreja, fazendo valer a desejada pluralidade na unidade.
O ritmo das mudanças sociais e culturais, entretanto, acelerou-se neste século XXI, suscitando novos desafios, especialmente aqueles que chegam das periferias sociais e existenciais. Ao conclamar a Igreja a deixar o conforto dos espaços sagrados e colocar-se em saída em direção às periferias, Francisco percebeu que isso não se faz sem uma nova mudança na forma de tomar decisões: é preciso ir além da colegialidade episcopal e introduzir a sinodalidade eclesial. Aqui reside a importância da 1ª Assembleia Eclesial da ALeC: é a primeira experiência, no mundo católico, de participação de todos os seus segmentos – bispos, presbíteros, diáconos religiosos e religiosas, leigos e leigas – num processo deliberativo em que todos tiveram igual direito à palavra. Em clima de diálogo, representantes do conjunto da Igreja, e não somente seus pastores, falaram da realidade em que vivem, de suas angústias e alegrias e da esperança que os anima a ser discípulos e discípulas de Jesus Cristo em missão no mundo de hoje.
Ainda é cedo, é claro, para prever os efeitos práticos desses diálogos na vida prática da Igreja em nosso continente. Mas uma coisa é certa: o processo de participação de todos os membros do Povo de Deus nas decisões da Igreja deu agora seu primeiro passo num caminho – pois esse é o significado de sínodo: caminhar juntos – que levará a uma forma muito mais participativa e igualitária de Igreja ainda nesse século XXI.
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