O ano era 1999. Eu tinha 12 anos e uma eterna briga com a matemática. Estava na 6ª série à época e, para variar, tinha ficado em recuperação de final de ano. Minha mãe sempre curtiu MPB, mas nenhuma criança que convivia comigo gostava e ouvia as músicas que os pais curtiam. E, muito provavelmente, o que fazia a cabeça das minhas amigas era a dupla Sandy e Junior. Eu era uma exceção. Não entendia, e nem ousava admitir para as coleguinhas, mas o que eu amava mesmo era Gal Costa, meu primeiro ídolo musical. Eu era chamada de “a velha da turma” por ter esse gosto bastante particular.
A recuperação que falei no início talvez fosse justificada pelo meu amor pela música, que me fazia gastar mais tempo com isso do que estudando. E, para me incentivar a “passar de ano”, sempre tinha uma recompensa. Naquele 99, o meu pedido foi o CD Gal canta Tom Jobim, um CD duplo, que, na ocasião, fazia sucesso na música: tinha 24 músicas, 12 em cada disco compacto, e era caro (para uma adolescente que vivia com uma pequena mesada).
Lembro até hoje de ter sido aprovada na prova final, ter recebido o dinheiro da minha mãe e ter ido até as Lojas Americanas da Rua Halfeld comprar meu presente. Voltei para casa feliz da vida, abri o CD dentro do ônibus, sentada ao lado do cobrador, e comecei a ler o encarte para decorar todas as músicas. Virou o vício do semestre.
Os artistas não eram tão acessíveis como agora na era Google e das redes sociais, e as fotos do encarte eram uma proximidade maior que se tinha com eles. E aquele CD tinha o gosto especial de alcançar alguém que me despertava as melhores emoções que a música pode nos dar. A música é uma paixão na minha vida, e a Maria da Graça é responsável por esse sentimento. E esse amor nunca acabou.
Anos mais tarde, em 2016, conheci a Gal em um hotel de Juiz de Fora, horas antes de assistir ao seu último show na cidade. Fui atrás dos amigos que poderiam me ajudar a chegar até ela, levei girassóis e um vinil que minha mãe passou para mim. Ela me convidou para assisti-la mais tarde (o que já era óbvio) e autografou o álbum Vaca Profana, cuja música título eu cantei desde nova sem ao menos entender bem o significado daquelas frases. Mas foram as frases de Caetano e de muitos outros compositores, na voz de Gal, que formaram a mulher que sou hoje.
Fui ao show com amigos e, depois de algumas doses de vinho, gritei tanto que a amava a cada troca de música, que a moça sentada à minha frente, bastante irritada, olhou para trás e disse “ela já sabe!”. Fiquei constrangida na hora, mas não parei. E hoje, com a partida da minha primeira referência na música brasileira, eu agradeço ao vinho que nos traz a verdade por ter me permitido demonstrar, naquele dia, todo meu amor e gratidão pelo legado deixado por Gal.
Meu nome não é Gal, mas hoje pode ser, pois com ela eu entendi que não faz mal não ser branco, não ter cultura ou que tenha defeito, porque eu amo igual!