Bolsonaro já figura em um lugar de destaque no panteão de personagens excêntricos da política nacional, o que está longe de representar uma distinta deferência – a título de referência, os registros históricos, que apenas cumprem a função de recontar fatos pretéritos, não foram nada gentis com o pitoresco Jânio Quadros, de quem se poderia esperar desde uma curiosa fixação por mesóclises até a proibição dos trajes femininos de banho e outras platitudes que, observadas com os olhos de hoje, beiram a candura.
Não é necessário recorrer a teses intrincadas, estruturadas em fundamentos jurídicos, filosóficos ou econômicos para antever o legado de suas primaveras como chefe da nação, constatação que pouco se relaciona com o seu desmiolado afinco em contradizer os efeitos do novo coronavírus, caso quase isolado no planeta, ou a sua queda pelo absurdo. Ao menos, não apenas.
O atual presidente é uma representação fiel do que existe de mais contraditório e desagradável no comportamento humano, um tipo ambulante de controversos estereótipos, nos quais se revezam a indelicadeza, a insubordinação, a descortesia, a falta de educação, a prepotência e todos esses hábitos que, desde a primeira infância, fomos instruídos a repreender e, por consequência, a repudiar. E que são a origem de nossa enigmática cultura litigante, que abarrota o Poder Judiciário, a despeito da miudeza do que a incita.
É perturbador que todos os esforços despendidos em prol da construção de uma sociedade equilibrada, alicerçada na compreensão e no reconhecimento do próximo como uma de suas necessárias hastes, sofram a sabotagem inconsequente de quem, acomodado no mais alto posto da República, deveria lutar por sua preservação, incentivando a constante harmonização das relações interpessoais, em que se cobiça a repressão dos instintos e a polidez.
Com a inesperada alteração de rota, não se vislumbra nada além de um retrocesso na longa marcha civilizatória de que somos artífices.
Resta-nos esperar que os urros de aprovação a seus arroubos de incivilidade não simbolizem a gênese de um movimento em que pais instruem seus próprios filhos a reagir com rispidez ao que os desagrada ou encurrala, em que demonstrações de descortesia são admissíveis.
A cada “cala a boca!” desferido contra um jornalista – ou uma ofensa dirigida a um desafeto -, impõe-se a lógica do grito mais potente, da superioridade irrestrita de um cargo e, mais grave, do extermínio das normas de conduta, cara a todos os indivíduos.
Tudo o que nosso ordenamento jurídico, que reflete as vicissitudes do comportamento humano, busca reprimir desde que a força deixou de ser o juiz de nossas causas.
A propósito, Jânio renunciou.