Um alarme soou no horizonte brasileiro tempos atrás, e quase ninguém percebeu. Era a decadência da crítica. O vácuo deixado pelo desuso do exercício da crítica no cotidiano social foi rapidamente ocupado pelo endosso dos vieses de confirmação cognitiva, ideológica e seus múltiplos reforços. Isso representou um insuspeito abalo para a nossa frágil e jovem democracia liberal, a bem da verdade, mais concedida que conquistada.
Antes da crise e seu drástico aprofundamento, as pessoas já eram conduzidas a uma percepção distorcida da realidade, baseada no reforço constante desses vieses e no isolamento do efeito provocado por suas respectivas bolhas. Essa fratura controlada da sociedade, em grande parte, fruto da nossa história cheia de feridas não curadas nem cicatrizadas, mas também em grande parte instrumentalizada e inflada pela mídia hegemônica e por atores internacionais, através de uma sistemática fragmentação promovida pela recém-conquistada supremacia das noções de identidade sobre categorias clássicas como nacionalidade e classes sociais, segue um roteiro.
De um lado pessoas extremamente precarizadas em seus trabalhos, moradias, garantias e direitos básicos, que escolhem reconhecer-se a partir de características que as definem individualmente a despeito disso claramente enfraquecer a defesa das melhorias nas condições outrora conquistadas de maneira coletiva. E de outro lado pessoas igualmente precarizadas em todas essas instâncias, mas que preferem definir suas existências a partir de moralismos religiosos e meritocráticos que servem basicamente para legitimar exceções que, obviamente, só confirmam a regra geral de que a pobreza é uma doença congênita a ser combatida explorando e eliminando seus portadores.
Fundamental considerar que tudo isso foi sendo alimentado através de redes antissociais e seus diabólicos algoritmos. [A mão invisível do mercado parece ser a mesma que os programa.] Por isso a defesa da crítica como nossa aliada. Porque é preciso saber lidar com o contraditório, e só teses e percepções muito bem construídas e embasadas são capazes de resistir às críticas e consequentemente elevá-las, elevando a reboque todo o nível do debate social que anda terrivelmente rebaixado em todas as esferas da vida pública e privada. Afinal de contas, o bom amigo não é justamente aquele que te assinala que seu nariz está escorrendo, que uma casca de feijão ficou presa entre a sua gengiva e seu dente ou que você já bebeu demais e está começando a dar vexame? Façamos dessa a simples metáfora da importância da crítica nas nossas vidas.