Maria da Penha Fernandes é, antes de tudo, o nome de uma professora cearense. Foi graças ao seu drama pessoal incomum que se deflagrou um movimento sem precedentes de mobilização da sociedade civil diante do grave problema social da violência contra as mulheres no Brasil.
Na esteira dos Tratados Internacionais assinados pelo Estado brasileiro, esse movimento partiu do pressuposto de que as várias formas de violência contra as mulheres expressavam violações qualificadas de direitos humanos, tornando imperativa a existência de um instrumento legal adequado para enfrentar tal e tão grave situação.
Cumpre registrar que, em 1983, a professora Maria da Penha sobreviveu a duas tentativas de feminicídio praticadas por Antonio Heredia Viveiros, então seu marido e pai de suas duas filhas: na primeira, ele simulou um assalto e deu um tiro nela, o que a tornou paraplégica. Quatro meses depois, tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho.
Em 2001, portanto quase 20 anos depois dos fatos, o agressor ainda se encontrava impune, e o caso, então, ganhou repercussão internacional.
Acionada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), julgou o caso e considerou o Estado brasileiro responsável por ser negligente, omisso e tolerante em relação à violência perpetrada contra as mulheres em seu território.
De 2002 a 2006, vários setores da sociedade civil se uniram, e desse esforço surgiu o anteprojeto entregue ao Congresso Nacional. Em agosto desse ano de 2006, foi sancionada a Lei nº 13.446, ou Lei Maria da Penha, homenagem à professora cearense na sua persistente busca por justiça.
Assim, Maria da Penha é expressão designativa de um nome, de uma lei e, nomeadamente, de uma bandeira de luta das mulheres brasileiras contra a dominação masculina, ou seja, contra uma forma de ideologia cujo substrato mais perverso radica na consideração de que as mulheres são seres inferiores aos homens e a eles submissos, devendo, em razão desse pressuposto, estar sempre à mercê de determinações e caprichos masculinos.
Mas é preciso não perder de vista o que há de mais desafiador nesse embate: com apenas 15 anos, Maria da Penha ousa lutar contra uma mentalidade machista que conta cinco séculos!
Mentalidade que encontra, excepcionalmente, ressonância até mesmo dentro do Poder ao qual cabe, por determinação constitucional e por força de vários Tratados Internacionais, a adequada tutela dos direitos fundamentais das mulheres quando lesados ou ameaçados de lesão.
Assim é que, na contramão de todos esses marcos normativos, um magistrado paulista, em fins do ano passado, durante uma audiência virtual, deu mostras de despudorado machismo ao afirmar: “Não tô nem aí para a Lei Maria da Penha. Ninguém agride ninguém de graça”!
Já outro magistrado, mineiro, se recusou a aplicar a Lei Maria da Penha, alegando-a inconstitucional e contra ela erigindo, afinal, a seguinte imputação: trata-se de “um conjunto de regras diabólicas”.
Diante de tudo isso, a melhor homenagem à lei e à mulher que lhe empresta o nome talvez fosse esta: dar concretude às políticas públicas previstas no próprio texto da lei, notadamente no plano da educação, de modo a criar uma nova consciência de respeito às mulheres, de repúdio e de escândalo diante de toda forma de violência contra elas praticada e – o que me parece ainda mais fundamental – a realização de esforços para prevenir e erradicar o problema, o que implica pensar no tratamento dos agressores, já que também eles precisam ser emancipados das potências simbólicas que, há cinco séculos, fazem girar as engrenagens da violência contra a mulher no Brasil.
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