O filósofo Blaise Pascal disse que o homem tem duas capacidades de amar, uma finita e outra infinita, ambas dadas pelo seu Criador. A primeira ele dirige às coisas do seu mundo palpável. A segunda dirige a Deus. Entretanto diz o filósofo que o homem se afastou de Deus e ficou sem o objeto do seu amor infinito. Órfão, ele direcionou então esse amor para as coisas finitas, que nunca são suficientes, pois a soma de todos os finitos não dá o infinito, o que produziu na sua alma um imenso vazio, um abismo profundo que nada preenche. O vazio de Deus.
Na vã tentativa de remendar sua alma com coisas finitas, o homem se transforma num voraz experimentador e consumidor de tudo e de tudo quer se apropriar para saciar o vazio. Deseja o domínio da natureza, nem que para isso tenha que destruí-la. Essa busca ensandecida que nunca cessa Pascal chama de miséria em movimento. Para o filósofo, o homem é um conjunto de qualidades que, à medida que vão sendo desbastadas, não sobra nada, não fica substância alguma. Somos miseráveis, essa é para o filósofo a nossa condição fundamental. Há saída? Para Pascal, somente pelo reconhecimento da nossa miséria digna de reis destronados, pela fé e pela graça divina.
Olhando por essa perspectiva, talvez a filosofia de Pascal nos seja útil para entendermos o mundo de hoje, onde não há qualquer movimento no sentido da humanidade do homem, pois a crença em razões mais profundas parece definitivamente banida da sociedade planetária. Calou-se a filosofia, e a ciência quer traduzir Deus e o Universo numa equação matemática descartando tudo que não se adapte ao seu totalitarismo cognitivo. Tudo se fundamenta num materialismo enlouquecedor, em que o consumo afirma-se como a única razão de estarmos aqui. Quem não pode consumir não pode viver, pois não há nada além das vitrines dos shoppings do mundo.
A melhor maneira de você enxergar a cadeira na qual se assenta é levantando-se dela e olhando-a de certa distância. Assim se dá com o mundo. Afaste-se mentalmente e olhe: onde você enxerga beleza, justiça, bondade, ciência sem soberba e a favor do homem, respeito e reverência à mãe Terra em vez de agressões absurdas que estão gerando um meio ambiente que já constitui ameaça de extinção da raça humana, onde você não enxerga bestialidade, perfídia, fome, dor, sofrimento, caos?
Os que perseveram dizem que há duas alternativas para o mundo dar um reset: o diálogo que produza um abraço afetuoso universal ou uma profunda regressão civilizatória seguida pela barbárie que jogaria tudo no chão, preparando um recomeço. Mas, apesar da fé, não acreditam na primeira alternativa e ainda duvidam da segunda, parodiando Rosa Luxemburgo: “Barbárie, se tivermos sorte”, o que quer dizer que talvez não tenhamos chance nem de nos enfrentarmos.
“Que quimera é, então, o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que motivo de contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas, imbecil, verme da terra, depositário do verdadeiro, cloaca de incerteza e de erro, glória e escória do Universo”, interroga e sentencia Blaise Pascal.
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