O Brasil acumula, por décadas, o recorde mundial em violência: são mais de 70 mil pessoas mortas todos os anos. Doenças causadas pela falta de água tratada matam milhares de crianças, além de outros milhões por diversas outras endemias.
Somos o campeão mundial em agressão a professores e o segundo maior consumidor de drogas do mundo – praga que devasta milhares de vidas e famílias todos os anos. Mas, de repente, eis que surge a Covid-19, e o Brasil, sempre indiferente ao caos da violência diária e dos indicadores sociais, passou da apatia aos prantos de comoção pelas mortes do coronavírus.
A mídia brasileira se tornou o carro chefe do cinismo e criou, inclusive, o “Memorial Inumeráveis” para contar as histórias dos mártires da Covid-19. Nunca pensaram em memoriais para os milhões de desamparados e mortos pela institucionalização da violência e pela omissão do Estado.
Nesse cenário, questiona-se: o Brasil mudou? Nem um milímetro. Simplesmente, estamos vendo aflorar o cinismo latente do establishment que jamais moveu uma palha para reverter a situação inaceitável da violência absurda que assola o Brasil e suas gritantes desigualdades sociais.
No contexto global, a pandemia tem causado estardalhaço, porque começou matando europeus. Se estivesse restrita ao continente africano, matando pobres, todos estariam vendo a desgraça pela televisão e comendo pipocas. Mas, se a praga mata na Europa, entra em cena o cinismo do #fiqueemcasa, em que uma elite hipócrita passa a exigir dos pobres uma solidariedade que nunca tiveram para com eles, que deveriam responder #pagueasminhascontas.
E o cinismo se alastrou mais do que qualquer vírus. Autoridades de todos os níveis e poderes unidos nos festivais de bandeiras a meio-mastro e lutos oficiais. Para coroar esse circo de horrores, como não poderia deixar de ser, entra no picadeiro da desfaçatez o Supremo Tribunal.
Por lá, o ministro Luís Barroso usurpa o Congresso Nacional e descriminaliza o aborto aos três meses de gestação. Mas esse mesmo ministro impede o Governo federal de extraditar diplomatas venezuelanos, alegando questões humanitárias com a epidemia do coronavírus. Ou seja, o assassinato de seres humanos indefesos pode ser livremente praticado, mas expulsar marmanjos fere o senso de humanitarismo do tal ministro. Se ministros do Supremo fossem submetidos a um exame de sanidade mental a que são submetidos um cabo e um soldado, certamente, não entrariam na caserna.