O presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão, de acordo com o jargão militar, não acertam o passo. Na quarta-feira, Mourão deu a entender, em entrevista, que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, estaria num lote do primeiro escalão a ser mudado em decorrência de uma possível reforma prevista para fevereiro. No dia seguinte, o presidente afirmou que cabe a ele escolher e demitir ministros, chamou o vice de palpiteiro e enfatizou que quem quiser escolher os membros do primeiro escalão do Governo deve se candidatar nas próximas eleições presidenciais. Mais direto do que isso, impossível.
Embates entre presidente e vice são comuns no processo político do país – uns mais outros menos enfáticos. Na inauguração da Nova República, Itamar Franco se manteve discreto no Governo Fernando Collor, ficando distante até fisicamente. Na fase crítica da gestão, tirou seu gabinete do Palácio do Planalto para evitar qualquer associação com a possível queda do presidente.
Michel Temer, outro vice que assumiu ante o impeachment do titular, foi menos discreto e teve atuação ativa nos bastidores para a queda da presidente Dilma Rousseff, embora jure que não moveu um só dedo para a decisão do Congresso. Mourão teve que demitir um assessor que estaria procurando políticos para tratar do impeachment de Bolsonaro, mas a desconfiança permanece. Embora com gabinete no Palácio, ele pouco participa de decisões estratégicas do Governo.
A matriz do recente entrevero entre o presidente e o vice é a reforma do ministério. Bolsonaro nega mudanças, mas sabe que terá que mexer no seu time para garantir sua base no Congresso. Ao apoiar a candidatura do deputado Arthur Lira, um dos líderes do Centrão, ele sabe que a moeda de troca será a ocupação de cargos no Governo. Até os dissidentes, que estão deixando o barco do oposicionista Baleia Rossi, fazem a migração certos de que serão recompensados.
Tal movimento é do jogo, pois, num modelo de coalizão, o Executivo é obrigado a negociar com o Legislativo, e ter o presidente da Casa como aliado é um passo e tanto. Como já foi dito nesse espaço, de Fernando Henrique a Bolsonaro, todos tiveram que acolher eventuais adversários para garantir a governabilidade. Sob esse aspecto, a eleição da Mesa Diretora da Câmara Federal, programada para esta segunda-feira (1º de fevereiro), tornou-se estratégica.
O embate entre Arthur Lira e e Baleia Rossi tem causado danos colaterais até mesmo entre correligionários. O deputado Rodrigo Maia, ainda presidente da Câmara, viu sua base derreter. Parlamentares do DEM, com a bênção do presidente ACM Neto migraram para o Governo sob a expectativa de algum benefício na nova direção.
As consequências desse movimento poderão ser vistas já no mês a ser inaugurado nesta segunda-feira. Deputado por 28 anos, o presidente Jair Bolsonaro sabe que, tendo o Centrão na sua base, a qualquer momento, a conta vai chegar.