A tensa conversa entre o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, e o secretário de Governo da Presidência da República, general Luiz Eduardo Ramos, na última terça-feira, foi a principal indicação do tenso clima que envolve a sucessão na Câmara Federal. O parlamentar reclamou ao ministro que considera uma interferência do Palácio do Planalto em seu partido ante a desidratação de seu candidato, Baleia Rossi, e o crescimento de Arthur Lira, que conta com a simpatia do presidente Bolsonaro. A eleição está marcada para a próxima segunda-feira.
Deputado de vários mandatos, Maia, na verdade, exerceu o jus sperniandi, pois sabe, como poucos, que, a despeito da independência, o Executivo sempre deu pitaco na eleição dos demais poderes. A diferença aparece apenas na forma. Em alguns casos, a pressão é clara, enquanto em outras situações o jogo corre apenas nos bastidores e de forma bem discreta. Mas sempre há interesse. Também em assembleias legislativas e câmaras municipais o processo é o mesmo.
O interesse do Executivo se explica nas suas próprias demandas. Num modelo de presidencialismo de coalizão, enfatizado a partir da Constituição de 1988, há uma clara interdependência. Presidente, governadores e prefeitos precisam de apoio de senadores, deputados e vereadores para levar adiante os seus projetos. Se não cederem, não governam. Por outro lado, têm o poder de agenda, isto é, a caneta na mão. Daí, o balcão que se estabelece em tais momentos ou em votações de grande interesse. Nesses casos, a troca de favores se explicita em toda a sua plenitude e, em algumas vezes, de viés pouco republicano, como mostram os recentes escândalos nas estruturas de poder.
Quando se apresentou como candidato à Presidência da República com um projeto liberal, o então deputado Jair Bolsonaro, com 28 anos de casa, dizia que iria reverter as negociações entre blocos parlamentares e Governo, por considerá-las espúrias. Dois anos depois, o Centrão – que concentra o maior grupo de interesses do Congresso – tem papel ativo na eleição da nova mesa diretora da Câmara. Bolsonaro apoia seu candidato.
A atitude do presidente se justifica na força do Parlamento, que levou governos anteriores a terem a mesma atitude. O tucano Fernando Henrique teve que ceder, especialmente ao MDB, para aprovar a reeleição, da qual se beneficiou com um segundo mandato. O petista Luiz Inácio Lula da Silva também foi induzido a negociar, enquanto sua sucessora, Dilma Rousseff, que tinha pouco apreço a esse jogo, acabou sendo apeada pelo Congresso numa articulação em que o Centrão foi o principal ator. Seu vice, Michel Temer, teve vários pedidos de impeachment que sequer entraram na ordem do dia.
A prevalecer esse modelo, o jogo continuará sendo jogado sob regras que não permitem plena independência do Executivo. A proposta, em tese, é saudável, para manter os contrapesos da democracia. O problema é a forma como essa prerrogativa vem sendo usada desde o retorno da democracia.