Oitenta por cento dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são cometidos em ambiente familiar. Normalmente, quem os pratica são íntimos das vítimas, como pais, avós, tios, primos, irmãos, vizinhos, padrinhos e amigos da família. Tal perversa constatação foi apresentada pela psicóloga Ana Flávia Ferreira de Almeida Santana, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em palestra na Semana de Combate ao Abuso e Exploração Sexual organizada pela Assembleia Legislativa. No mesmo evento, foram apresentados números do Estado e das principais cidades mineiras. De janeiro a abril deste ano, 48 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes foram registrados apenas em Juiz de Fora. A cidade, como a Tribuna apontou na edição dessa terça-feira, ficou atrás apenas de Belo Horizonte, Uberlândia e Contagem, coincidentemente, município com maior população.
A discussão procede, pois, no momento em que as atenções, justificadamente, se voltam para o combate à Covid-19, outras mazelas ocorrem, e é preciso ficar atento para a sua incidência. Os abusos, especialmente contra crianças e adolescentes, têm grave repercussão no seu futuro. Como destacou a psicóloga Ana Flávia, “isso mexe muito com a cabeça da criança, que vive uma dualidade. Ao mesmo tempo em que tem afeto pelo agressor, tem também medo”, relatou. O estupro de vulnerável é um dos com os maiores índices. De janeiro a dezembro do ano passado, e também em 2018, foram cerca de três mil casos. Este ano, somente nos quatro primeiros meses, já foram registrados 787 casos.
O enfrentamento de tais questões passa, necessariamente, por políticas sociais, uma vez que a maioria dos casos ocorre em lares com vulnerabilidade. Há situações de meninos e meninas estarem abrigados no mesmo espaço. Em outras, famílias inteiras vivem tal situação. A educação é outra ferramenta importante, pois através dela os jovens e as crianças são orientados a tomarem precauções ante o discurso fácil do agressor ou diante de sua condição de poder sobre a vítima. Os números levados à Assembleia destacam que 84,48% das vítimas são do sexo feminino, e, destas, cerca de 40% têm entre 0 e 11 anos.
A Semana de Combate ao Abuso e Exploração Sexual se torna mais importante por ser espaço para denúncias e também para elaboração de campanhas. Hoje, pela via digital, é possível ampliar a divulgação, como a das cartilhas da Polícia Civil que apresentam uma série de ações para conter os abusos. No entanto, a via digital também tem suas mazelas, por tornar-se uma área de conexão entre vítima e agressor e ser uma das rotas de convencimento adotadas especialmente por pedófilos, voyeurs e outros predadores.
A discussão, pois, deve ser permanente, por tratar-se de uma questão que pode alterar os números, mas é sempre presente no cotidiano social. O enfrentamento, como ora ocorre contra o coronavírus, exige a adesão coletiva, por não haver espaço para o silêncio.