Em 2001, quando era ministro da Saúde no Governo Fernando Henrique Cardoso, o senador José Serra quebrou a patente de dois medicamentos: Interferon Peguilado, para tratamento de hepatite C, e Kaletra, para pacientes com Aids. Como argumento, destacou os preços abusivos e a manipulação da opinião pública. “Muitos médicos prescrevem mais os laboratórios do que os remédios. O problema de saúde pública também é problema de preço”, destacou.
Candidato à Presidência no ano seguinte, ele já tinha ameaçado quebrar a patente de outros dois medicamentos usados por portadores do vírus HIV, como destacou à época o jornal Folha de S. Paulo, na edição de 5 de dezembro.
Vinte anos depois, a quebra de patentes volta à agenda por conta de uma decisão do presidente americano, Joe Biden, de apoiar a suspensão de patentes de remédios contra a Covid. “Trata-se de uma crise sanitária mundial, e as circunstâncias extraordinárias da pandemia exigem medidas extraordinárias”, disse um representante comercial dos Estados Unidos.
Trata-se de uma medida extrema para o enfrentamento ao vírus a despeito de suas consequências. O argumento básico é o cenário de pandemia que afeta a economia global com a morte de pessoas e empresas. A produção de vacina, com a quebra, ou suspensão, de patentes, tende a aumentar.
A produção, hoje, não consegue atender à demanda, bastando ver a falta de doses não apenas no Brasil, mas também no chamado primeiro mundo. Há, ainda, os países que escondem dados, que devem viver o mesmo problema.
A quebra ou suspensão de patentes, no entanto, deve ser uma ação pontual, forjada sob o viés emergencial, pois, caso contrário, pode provocar sérios danos à pesquisa. Sem a garantia de retorno, laboratórios deixarão de fazer investimentos, o que seria, também, danoso para a saúde pública. Ademais, quando percebem riscos de insegurança jurídica, deixam de atuar em países com essa possibilidade.
Serra quebrou patentes num momento em que o HIV era o grande temor da humanidade, ainda sem conhecimento adequado de suas causas e de remédios para reduzir o seu impacto. Agiu, também, sob o viés político, pois no ano seguinte disputaria a Presidência da República com o metalúrgico Luiz Inácio Lula, que acabou saindo vencedor, mas deixou sua marca.
Sob uma nova pandemia, a discussão se renova. A questão, agora, é saber a extensão de suas consequências. Todos sabem que o mundo precisa de vacinas e, dependendo de sua perenidade, de novas doses, mas é necessário saber quais serão as consequências. Nesse jogo de poderosos, a população costuma ficar com a conta.