O Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro classifica como “muito alta” a possibilidade de a cratera formada na rodovia BR-040, ao lado da pista de descida, na Serra de Petrópolis (RJ), continuar a se expandir e desmoronar. A informação foi divulgada em nota técnica emitida pelo órgão, através do Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamentos (ver fac-símile 1). Em entrevista à Tribuna na tarde dessa quinta-feira (16), a coordenadora do núcleo, Joana Ramalho, afirmou que toda a construção do túnel de cinco quilômetros da Concer, obra que faz parte da Nova Subida da Serra (NSS), está em suspeição. Por isso, não está descartado que novos desmoronamentos, em outras áreas, possam vir a ocorrer. Um laudo técnico, que pode confirmar ou eximir a possibilidade, ainda não tem prazo para ser concluído, dada a complexidade dos estudos que precisam ser feitos. A Defesa Civil de Petrópolis, com apoio do serviço geológico e de acadêmicos, vai criar um grupo de trabalho para analisar as mais de seis mil páginas entregues pela Concer relacionadas a projetos e relatórios das obras na serra.
Paralela à preocupação com novos desmoronamentos, a Justiça Federal deferiu esta semana, parcialmente, uma liminar impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) que pedia a caducidade do contrato de concessão, proibindo que a tarifa do pedágio seja reajustada de R$ 12,40 para R$ 13, valor que já estaria aprovado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O pedido de liminar havia sido registrado em setembro e era baseado, entre outras motivações, na redução dos investimentos em manutenção e conservação da via. Em reportagem publicada pela Tribuna em agosto, foi denunciado, com exclusividade, que os investimentos da Concer, para esta finalidade, declinaram 80% em um ano. A decisão é do juiz federal Fabio Nobre Bueno Brandão (ver fac-símile 2). Até o fechamento desta edição, a concessionária não havia se manifestado sobre a decisão liminar.
Manutenção
“Em reunião com a concessionária na última sexta-feira (10), eles (Concer) informaram que o monitoramento do túnel inacabado foi feito por instrumento até novembro de 2016. Depois, passou a ser visual, o que prova a redução drástica nos investimentos em manutenção”, disse a procuradora Joana Barreiro Batista, do MPF em Petrópolis. Ainda segundo ela, existem várias auditorias em andamento, algumas independentes, para verificar a situação das obras na serra, e uma delas é feita pela Polícia Federal, que já iniciou uma perícia.
Em nota ao jornal, a concessionária informou que as obras do túnel na região onde houve o desabamento, conhecida como comunidade do Contorno, foram executadas em janeiro de 2015. “Durante o período de monitoramento, não foi encontrada qualquer anomalia na região afetada. As investigações prosseguem, e a Concer é a maior interessada em esclarecer os fatos.”
Concer confirma obstrução em túnel
Desde o acidente na terça-feira (7), 95 famílias precisaram deixar as suas casas de forma preventiva, por causa do risco de novos desabamentos. Uma das hipóteses para a formação da cratera era justamente as obras do túnel na serra, interrompidas desde junho do ano passado. Na noite da última terça-feira (14), a Concer admitiu a relação entre a obra e o desmoronamento. Em nota, disse que foi feita uma análise na galeria com o auxílio de um equipamento subaquático, quando foi constatado bloqueio no túnel na região onde houve o desabamento. No entanto, reiterou que, apesar de o dispositivo ter percorrido aproximadamente 700 metros do túnel, não foi encontrada qualquer “anomalia estrutural”.
A coordenadora do Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamentos do Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro, Joana Ramalho, disse que, inicialmente, havia a ideia de se promoverem incursões no túnel para avaliar a situação, mas elas se tornaram impossíveis, por estar “inundado e abandonado”. “Seria muito arriscado colocar um técnico nestas situações. Para se ter ideia, a 30 metros do desemboque da galeria, não dava mais para ter acesso, e o desabamento ocorreu a uma distância de aproximadamente 600 metros.”
Segundo a especialista, toda a situação é complexa, e não haverá respostas em curto ou médio prazos. “Posso dizer que os melhores geólogos do Rio de Janeiro estão reunidos para chegar a um resultado. Agora precisaremos ler toda a documentação disponibilizada pela Concer para tentar chegar a uma causa, pois hoje sabemos muito pouco sobre aquela área. Até que seja mostrado para nós o contrário, consideramos que o que aconteceu ali pode ser replicado em outras áreas. Entendo que o nosso estudo terá esta prioridade, de promover uma triagem e constatar onde há menor ou maior possibilidade de novos eventos.”
Nota técnica
A Concer se manifestou nessa quinta (16) sobre a nota técnica do Serviço Geológico, que classifica como “muito alto” o risco de a cratera continuar a expandir e desmoronar outras residências ao redor. A concessionária disse que não recebeu o parecer técnico, mas ressaltou que, “de qualquer forma, a área está sendo monitorada pela Concer, as moradias estão desocupadas, e as famílias continuam sendo assistidas pela companhia”.
O jornal questionou, ainda, se o túnel está completamente ou pontualmente alagado; se foi feito algum trabalho preventivo desde a interrupção das obras; e quais são as próximas ações previstas para reduzir danos e/ou corrigir possíveis falhas na estrutura. No entanto, a concessionária não enviou respostas.
Deputado quer retomada da obra
Para o deputado federal Hugo Leal (PSB), que é de Petrópolis e acompanha a situação da Concer, uma das expectativas é determinar a retomada das obras pela via judicial. “Também aguardo a reavaliação, por parte do TCU (Tribunal de Contas da União), da retomada destas obras, recomendando que seja feita uma nova licitação para a obra da Subida da Serra”, informou, acrescentando que toda a comunidade está preocupada com a possibilidade de novos desabamentos.
Segundo a Concer, as obras estão paradas em função da inadimplência da União. “Conforme previsto no contrato, o Governo deveria ter realizado três aportes financeiros ou estendido o prazo de concessão. Nenhuma das duas alternativas aconteceu até o momento. Desde 2014, quando a União se tornou inadimplente, a Concer seguiu realizando a obra, com recursos próprios, por um ano e meio, até meados de 2016, quando não teve outra alternativa a não ser decidir pela paralisação, uma vez que o Governo não regularizou os pagamentos, causando um alto desequilíbrio para a concessão.”
Conforme já publicado em reportagens anteriores, o TCU avalia a legalidade dos valores previstos nos aportes financeiros. Para isso, analisa uma séria de documentos, já entregues pela concessionária, sobre os custos efetivos da obra da Nova Subida da Serra. De acordo com a última decisão, proferida pelo tribunal em agosto, permanecia os indícios graves de irregularidades.