A GRS de Ubá, responsável por monitorar e fiscalizar questões referentes à saúde de Guarani e mais 30 municípios da Zona da Mata, revela, no documento, que 40 casos de diarreia foram registrados na cidade em dezembro de 2017. Na época, várias pessoas relataram à Tribuna que o surto seria o terceiro só naquele ano, sendo que o último teria ocorrido apenas três meses antes, em setembro. Moradores e visitantes que passaram o feriado do Ano-Novo em Guarani tiveram episódios de diarreia e precisaram de atendimento médico. Mas o número de pessoas acometidas pelo surto pode ser maior, já que há relatos de famílias que se trataram em casa.
O relatório revela também que a GRS de Ubá foi acionada pelo Município já em setembro de 2017, quando foi constatado aumento no número de casos de diarreia. Na ocasião, segundo a gerência regional, foram disponibilizados kits para a coleta de amostras de fezes de moradores acometidos pelo mal-estar, mas não foi possível obter a identificação do agente etiológico.
No entanto, ainda segundo a GRS, as amostras de água colhidas no mesmo período, em bairros onde o número de casos foi maior, apontaram a presença de Pseudomonas aeruginosa, bactéria que pode ser encontrada no solo e na água. Conforme publicação da Faculdade de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), esta bactéria pode causar infecções oportunistas e afetar pessoas com imunidade baixa, também sendo encontrada em infecções hospitalares.
Investigação
Como método imediato de tratamento, a GRS disponibilizou para o município distribuir à população, ainda em setembro, hipoclorito de sódio 2,5%, com o objetivo de realizar a cloração da água. Também foi sugerida a cloração dos reservatórios com placas de cloro, até que fosse implantado um serviço de tratamento da água. O documento não cita qual foi a quantidade da substância distribuída para os moradores, mas destaca que uma investigação foi iniciada para que fossem propostas medidas necessárias à solucionar o problema.
Apesar disso, um novo surto foi registrado em dezembro, o que teria levado a Secretaria de Saúde de Guarani a solicitar, novamente, o apoio da gerência regional para identificação do agente causador e consequente controle do problema. Naquele mês, 300 frascos de hipoclorito de sódio foram disponibilizados pelo órgão, além de material para a coleta de amostra de fezes dos doentes. A investigação ainda estaria em andamento. O município tem cerca de 10 mil habitantes.
Município foi alertado em junho
No entendimento da GRS de Ubá, os surtos de diarreia em Guarani podem sim ter ligação com a falta de tratamento adequado. Isso porque os resultados do monitoramento da potabilidade da água verificados em 2016 e em meados de 2017 são considerados insatisfatórios. Diante da situação, o diretor da regional, Reginaldo Furtado de Carvalho, afirma, no documento, que acionou a Prefeitura em ofício encaminhado à Secretaria de Saúde de Guarani em junho do ano passado, solicitando providências em relação aos resultados. Conforme o relatório, o ofício destacava a necessidade de tratamento da água, pautado na Portaria 2.914/2011, que versa sobre o padrão de potabilidade da água voltada para consumo humano.
Após a publicação da Tribuna sobre os surtos, em 5 de janeiro, com questionamentos acerca da qualidade da água, a Secretaria de Saúde do Município publicou nota oficial em que esclarecia as medidas adotadas pela Prefeitura. Datada de 8 de janeiro deste ano, a publicação, disponível no site da Prefeitura, destaca que todas as medidas necessárias estavam sendo adotadas, como a distribuição de folhetos explicativos para a população, além da aplicação do hipoclorito na água. Ainda conforme a nota, somente no fim de semana anterior, 12 possíveis casos de “virose” tinham sido atendidos no Hospital Dr. Armando Xavier Vieira.
O que diz a lei
Segundo o artigo 5º do decreto federal nº 5.440/2005, é direito do consumidor receber nas contas de água mensais o resumo dos resultados das análises referentes aos parâmetros básicos de qualidade da água e informações sobre problemas do manancial que causem riscos à saúde, entre outros.
O decreto também cita a responsabilidade do prestador de serviço de distribuição de água em divulgar relatório anual com resumo dos resultados das análises da qualidade da água, discriminados mês a mês, mencionando por parâmetro analisado o valor máximo permitido, o número de amostras realizadas, o número de amostras anômalas detectadas, o número de amostras em conformidade com o plano de amostragem estabelecido em norma do Ministério da Saúde e as medidas adotadas face às anomalias verificadas.
Prefeitura não retorna contato
A Tribuna procurou o Serviço de Água e Esgoto (Saeg) da Prefeitura de Guarani na última quinta-feira (1), solicitando os laudos e relatórios sobre a qualidade da água nos anos de 2016 e 2017, citados no relatório da GRS de Ubá. Na ocasião, a resposta dada à reportagem foi a de que os documentos seriam enviados em breve. Procurada novamente nesta segunda (5), a diretoria do órgão afirmou que os documentos encontravam-se em posse do setor jurídico e que seriam encaminhados à Tribuna assim que fossem analisados.
A reportagem procurou a Saeg novamente nesta terça-feira. A informação repassada era a de que a assessoria de comunicação da Prefeitura entraria em contato para informar seu posicionamento sobre as questões apresentadas. No entanto, até o fechamento desta edição, a assessoria não retornou o contato.
A Secretaria de Saúde também foi procurada na tarde desta terça, por volta das 16h15, mas a reportagem foi informada que o horário de funcionamento da pasta é das 8h às 11h e das 13h às 16h, não sendo possível falar com o responsável.
Especialista: necessidade de tratamento
Para analisar as informações expostas no relatório da GRS de Ubá, a Tribuna convidou a professora da Faculdade de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF, Renata de Oliveira Pereira, mestre e doutora na área de saneamento. De acordo com ela, o relatório assinado pela gerência “deixa claro que há várias amostras com presença de coliformes fecais, que é um indicativo de contaminação de origem fecal”. No entanto, por não mencionar o local de onde as amostras de água foram colhidas ou o número de amostras analisadas, não é possível afirmar se a qualidade da água estava comprometida.
Ainda conforme Renata, com base no relatório também não é possível afirmar qual foi a causa do surto de diarreia, mas a presença de coliformes fecais e totais pode apontar uma inadequação no tratamento da água. “Dependendo do local e do número de amostras, a Portaria 2.914/2011 permite uma porcentagem das amostras apresentarem resultado positivo. O que é possível afirmar é que toda água distribuída coletivamente deve ser tratada, no mínimo, pelo processo de cloração (dependendo da qualidade da água).”
Isso porque, conforme a professora, o tratamento por hipoclorito de sódio, conforme foi feito em Guarani, depende também da qualidade da água. “O hipoclorito de sódio é válido para casos como o apresentado, visto que consegue inativar bactérias e vírus. Ou seja: os micro-organismos perdem a capacidade de causar doenças. No entanto, deve-se ressaltar que a eficácia está intrinsecamente ligada à qualidade da água, pois ela implica em diminuição da sua eficácia.” A validade do tratamento feito por meio deste recurso também depende da qualidade. “Caso haja boa qualidade, a ação do hipoclorito, provavelmente, pode durar 24 horas, mas é essencial que o recipiente esteja limpo.”
Apesar de não ser possível afirmar que os surtos tenham a ver com a qualidade da água, Renata destaca que toda água distribuída para a população deve ser devidamente tratada, e orienta os moradores que querem se resguardar. “A população deve utilizar o hipoclorito de sódio na água como medida emergencial e lavar as caixas d’águas a cada seis meses com o composto químico. Mas, principalmente, a população cobrar das autoridades o tratamento da água”, finaliza.