Sem maiores discussões acerca das razões que levaram o prefeito Antônio Almas (PSDB) a vetar parcialmente o projeto de lei denominado “Infância sem pornografia”, o Poder Legislativo derrubou a decisão do Executivo e vai promulgar, à revelia do entendimento da Administração municipal, a íntegra do projeto de lei aprovado em abril deste ano na forma de substitutivo. A decisão da Casa foi tomada pela grande maioria dos presentes e com os votos de vereadores da base. Nem o autor da proposição, José Fiorilo (PTC) nem qualquer outro parlamentar da base liderada por Júlio Obama Jr. (PHS) se manifestou pela justificativa apresentada pelo prefeito para rejeitar partes do projetos, consideradas inconstitucionais pela Procuradoria-geral do Município. A decisão em plenário ocorreu na noite desta segunda-feira (18), quando o veto parcial apareceu na pauta de votação do Palácio Barbosa Lima pela primeira vez.
Se o autor não fez a defesa do projeto durante a discussão do veto e os vereadores da base também não se posicionaram sobre as razões do veto parcial apresentadas pelo Executivo, coube aos parlamentares de oposição sair em defesa do entendimento apresentado pelo prefeito. Assim, Roberto Cupolillo (Betão, PT) e Wanderson Castelar (PT) foram os dois únicos a votarem pela manutenção do veto. Betão chegou inclusive a pedir vista para adiar a votação, cuja decisão final poderia ser dada até o final desta semana. Porém, Fiorilo pediu que a reivindicação do petista fosse rejeitada, o que foi atendido pela base de Almas na Câmara, que rejeitou a medida protelatória. “É um verdadeiro absurdo não permitir que as pessoas tenham um maior conhecimento sobre as razões do veto. Registro aqui o meu protesto”, lamentou Betão.
Supressão de artigos
Inicialmente, a lei que institui o projeto intitulado “Infância sem pornografia” havia sido promulgada pela Prefeitura em 21 de maio com a supressão de dois artigos, rejeitados pelo Poder Executivo. Uma das negativas diz respeito ao artigo 2º do substitutivo aprovado pela Câmara que afirma que cabe à família “criar e educar seus filhos, crianças e adolescentes”. A Procuradoria-Geral do Município entendeu que o trecho traz um viés inconstitucional e vício de iniciativa “por pretender interferir nas diretrizes e bases nacionais da educação, atuando diretamente sobre componentes curriculares e impondo sanções penais em caso de descumprimento da norma, invadindo, portanto, matéria cuja competência para legislar é exclusiva da União”.
A Prefeitura também manifestou entendimento de que o artigo 2º, ao definir que cabe à família e responsáveis a incumbência de educar seus filhos nos termos de suas convicções religiosas e éticas, inviabiliza a aplicação da equidade no ensino básico e fundamental. “Não há como estabelecer critérios universais na grade curricular no sistema de ensino, posto que cada aluno deverá ter adaptado o currículo às ideologias de seus pais e responsáveis, fato que acaba por desconstruir a própria ideia do sistema de ensino existente no país”, afirma a justificativa, apresentada pelo Executivo para o veto parcial, que cita ainda negativa assinada pelo prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB), a artigo de legislação similar aprovado pela Câmara do município do interior paulista.
Aspectos inconstitucionais
O prefeito Almas também havia vetado o artigo 5º do texto validado pela Câmara de Juiz de Fora. Tal trecho define que a violação ao disposto na legislação em questão implica em penalidade previstas pela lei federal que define o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Uma vez mais, o Município apontou aspectos de inconstitucionalidade. “Ao prever o cometimento de crimes para os casos de prática de pornografia infantil, o ECA legislou sobre matéria penal, exclusiva da União, razão porque o projeto de lei substitutivo ao projeto nº 01/2017 ao fazer remissão às sanções previstas no ECA, claramente dispôs sobre matéria criminal, infringindo o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, usurpando competência privativa da União para legislar sobre o tema, devendo, pois, ser reconhecida sua inconstitucionalidade integral”, afirma a justificativa da Prefeitura.
Sem manifestação da base
Da bancada de oposição, Betão e Castelar apresentaram entendimento de que, com a derrubada do veto pela Câmara, não cabe à Prefeitura outro caminho que não seja a apresentação de uma ação de inconstitucionalidade na Justiça, questionando trechos da lei a ser promulgada pelo Legislativo. Autor do projeto de lei, Fiorilo chegou a afirmar que o veto não teria partido do prefeito, mas da secretária municipal de Educação, Denise Franco. Betão, por outro lado, lembrou que a negativa levava a assinatura do prefeito Antônio Almas. Uma vez mais, nenhum dos vereadores da base se manifestou.
Desde o início de sua tramitação, a proposta foi atacada por setores ligados à Educação e defendida por grupos de cunho mais conservador. Na prática, a lei a ser promulgada pelo Legislativo traz uma compilação de regras e legislações já vigentes e cita artigos constitucionais, do Código Civil, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e de outros decretos e leis ordinárias federais. Ao longo da tramitação, setores ligados a servidores municipais e à Educação consideraram a proposição inócua por se tratar de temas já abarcados por legislações federais, e que, de certa forma, poderia ser utilizada para assediar funcionários públicos ao valer-se do apelo da associação das palavras “pornografia” e “infância”, colocando diversas categorias profissionais sob constante suspeição.