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Carência de lideranças negras no poder público

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A dificuldade do negro de assumir cargos de comando no setor público, sejam eletivos ou comissionados, é um dos temas desta reportagem, a segunda da série “Ser negro em Juiz de Fora”, iniciada no último domingo. Uma das provas do não empoderamento dos negros é que a cidade nunca teve um prefeito afrodescendente e possui poucos representantes no Parlamento, além de nunca ter tido uma mulher negra ocupando uma das cadeiras da Câmara. Juiz de Fora também não tem órgãos específicos nem no Executivo, nem no Legislativo que tenham como prioridade políticas de igualdade racial. A exceção na cidade fica para a UFJF, que possui departamentos internos neste sentido, além de ter adotado o sistema de cotas em 2006, antes mesmo de determinação nacional para esta política.

O sociólogo Martvs das Chagas, militante do movimento negro e idealizador da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Governo federal, afirma que a dificuldade para que a população negra assuma lugar na representação política ainda é um reflexo do período da escravidão. “Para se fazer uma leitura bem real da História, o Brasil é um país com 515 anos, desses, apenas 127 anos de abolição. Quando se verifica no Censo do IBGE e no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a população negra ficou excluída, marginalizada. É um apartheid. Juiz de Fora é uma cidade apartada até hoje. Um mapeamento geopolítico de mortes por violência mostra uma concentração de vítimas entre os descendentes de ex-escravos. Isso interfere na mobilidade para a chegada ao poder”, complementa Martvs, hoje consultor técnico em Gestão Social na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

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‘JF é uma cidade apartada até hoje’, diz Martvs das Chagas, referindo-se à marginalização do negro (Leonardo Costa/16-11-15)

“JF é uma cidade apartada até hoje”, diz Martvs das Chagas, referindo-se à marginalização do negro (Leonardo Costa/16-11-15)

Estatuto

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[Relaciondas_post]Ao analisar a composição política do Executivo, a presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir), Zélia Lúcia Lima, cobra a existência de um órgão que torne efetiva as deliberações do conselho, como uma secretaria de direitos humanos, que englobe um departamento de igualdade racial. Segundo Zélia, a maior resistência tem sido em relação à aplicação das leis, aprovadas inclusive em plano federal, como o Estatuto da Igualdade Racial. “Lei é para ser cumprida, não é para ser discutida. Mas há muita discussão em Juiz de Fora de leis aprovadas no Congresso Nacional. Se o poder público municipal abraçar o estatuto, a cidade será uma das pioneiras no trato da questão racial. Hoje a gente ainda não consegue fazer isso aqui”, lamenta.

Sobre a possibilidade de incluir mais negros em cargos de chefia na Prefeitura, Zélia é enfática. “Em pleno século XXI, a mulher negra ainda é a base da pirâmide social. O homem negro é o terceiro na margem da pirâmide. E ainda é muito difícil o empoderamento do povo negro. O conselho executa a política para o município, mas, na hora do empoderamento, a gente não consegue chegar lá”, ressalta. Pensando no contexto local, a presidente do Compir destaca a necessidade de forças políticas que empunhem a bandeira do negro. Sem desconsiderar o trabalho dos atuais vereadores, ela ressalta a carência de lideranças representativas no Legislativo e no secretariado municipal, com foco exclusivo na causa afrodescendente.

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Intenção

O secretário de Governo, José Sóter de Figueirôa, explica que a Prefeitura pretende incorporar um setor específico que atenda à demanda de minorias, incluindo o de igualdade racial. “É nossa intenção ter uma coordenadoria específica e, quem sabe, uma secretaria de direitos humanos que agregue também a atenção à pessoa com deficiência, à mulher, ao idoso, à juventude. Mas isso exige recursos humanos, financeiros e diante da situação financeira no país, nos impossibilita de dar um passo, mas estamos caminhando nessa direção”, explica, em referência à realização das conferências municipais e à criação do Compir, tornando-o paritário e deliberativo.

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Em relação à nomeação de secretários negros, Figueirôa destaca o titular da pasta de Esportes e Lazer, Carlos Bonifácio (PRB), e defende que não existe discriminação ou qualquer critério que impeça a nomeação. Zélia avalia como positiva a nomeação de Carlos Bonifácio, mas esclarece que ele não representa as bandeiras do movimento negro de Juiz de Fora.

Minorias

Analisando a participação de mulheres e negros na política, com foco nos parlamentos estaduais e Congresso Nacional, o professor da Universidade de Vila Velha Orlando Lyra de Carvalho Júnior descreve a ínfima representatividade de afrodescendentes. “Nosso Parlamento não representa a sociedade civil. 80% são homens brancos, ricos e letrados. A representação do negro é muito pequena, sendo que a discriminação é ainda maior para a mulher negra. Existe uma cascata de desprezo. Se ela é negra e pobre, não entra no radar social. Só entram as mulheres que militaram em partidos de esquerda e que tem uma base comunitária. Pela eleição proporcional, pelas regras que são dadas, elas não têm chance nenhuma. E isso é muito violento”, conclui.

 

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