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Cientistas políticos refletem sobre momento atual

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Paulo Roberto Figueira Leal, prtofessor da UFJF e doutor em ciência política

 O dia seguinte

O instrumento constitucional do impeachment, que em essência deve ser visto como mecanismo de defesa da democracia, não pode ser banalizado nem deturpado por contingências de maiorias políticas ocasionais. Quando utilizado para afastar um presidente que não tenha cometido algum crime de responsabilidade, deixa de cumprir o papel para o qual foi criado e deve ser chamado pelo que de fato ele eventualmente pode representar se for mal utilizado: golpe parlamentar – tal como aquele que ocorreu poucos anos atrás no Paraguai, quando da rápida destituição, por um Congresso majoritariamente oposicionista, do então presidente Fernando Lugo.

O impeachment, o mais extremo recurso da legislação, não deveria ser assentado em questões tão pouco consensuais até mesmo entre os especialistas do campo da contabilidade pública e do direito como as chamadas “pedaladas fiscais”. A assimetria de tratamento nos casos dos ex-presidentes e dos passados e atuais governadores (nos quais as antecipações foram admitidas) e no caso de Dilma (no qual se pede o fim de seu mandato) mostra que a verdadeira questão por trás do debate não é técnica, mas apenas e tão somente de luta política. E uma luta política iniciada, na Câmara, por um ato de retaliação do presidente da Casa, Eduardo Cunha. Esse, sim, investigado, denunciado pelo Ministério Público, réu na Justiça e com fartas evidências de corrupção (inclusive com provas da Justiça da Suíça).

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Até o presente momento, Dilma é pessoalmente investigada em algum inquérito policial? Não. Ela foi denunciada pelo Ministério Público? Não. Foi julgada por alguma instância do Poder Judiciário? Não. O juízo dos congressistas que avaliam um processo de impeachment não pode ser apenas político. Deve ser uma decisão política necessariamente amparada em evidências que permitam a tipificação de crime de responsabilidade. Se não for assim, basta haver uma maioria parlamentar oposicionista que nenhum chefe do Poder Executivo chegará ao fim do seu mandato.
O que está em jogo agora é o respeito às regras do jogo e à estabilidade democrática. A defesa do resultado das urnas não impede uma abordagem crítica do atual Governo. Qualquer cidadão pode ser investigado (respeitada a lei, não com grampos feitos à presidência e vazados ilegalmente), e a corrupção deve obviamente ser combatida por todos os meios legais disponíveis. Não é disso que se trata agora: setores da sociedade querem tirar a presidente eleita em algumas semanas de rápida tramitação no Congresso, mesmo que não haja provas contra ela. Isso não tem nenhuma relação com justiça: é golpe parlamentar.

Se efetivado nessas bases, o impeachment cobrará um alto preço não de Dilma mas de todos os presidentes nos anos vindouros. A mensagem será clara: em momentos de impopularidade, qualquer mandatário poderá ser defenestrado do poder apenas porque uma eventual maioria oposicionista assim o quis, sem necessidade de provas ou bases jurídicas que tipifiquem crime de responsabilidade.

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Aumentará ainda mais a já presente necessidade de os presidentes forjarem maiorias parlamentares esdrúxulas (do modo como isso for possível, mesmo que por meio dos piores métodos). Parlamentares venais terão seu passe valorizado. A disputa pela presidência da Câmara será tratada como tão vital por parte do Poder Executivo, para evitar a ascensão de alguém que possa admitir pedidos de impeachment indevidos, que, na prática, a autonomia do Poder Legislativo acabará diminuída. Portanto, argumenta-se aqui que o atual processo de impeachment, conduzido deste modo abastardado, deixará de servir à democracia e, verdadeiramente, se prestará exatamente ao oposto disso.

 

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Rubem Barboza Filho, professor da UFJF e doutor em ciência política

Possibilidades da mentira

Uma coisa é certa: qualquer que seja o resultado da votação de hoje na Câmara dos Deputados, o Governo Dilma acaba. A recusa em aprovar o pedido de admissibilidade do processo de impeachment levará a um novo arranjo no núcleo de poder no Planalto, com Lula ao centro. Dilma terá tempo e liberdade para pedalar constitucionalmente, mas a conjuntura não terá nenhum de seus nós desatados. A alma de Lula é fáustica, e é dele a percepção aguda daquilo que poderá salvar o resto deste mandato: crescimento, crescimento e crescimento. Ele sabe disso, como sabe que terá poucas opções e pouquíssimo tempo para fazer com que isto aconteça. Mesmo prisioneiro de duas armadilhas, estará obrigado a tentar, caso a admissibilidade do impeachment seja negada. A primeira armadilha é que ele não tem mais a possibilidade de reorganizar nada parecido com a grande aliança costurada em seu governo. A Lava Jato não só o ameaça pessoalmente como trouxe à luz e feriu de morte o escandaloso modus operandi com que ela foi tecida.

O monumental esquema de corrupção apodreceu o sistema representativo – a política e o próprio PT – e acabou por liquidar o poder dos parceiros na economia e no mundo sindical. A outra armadilha é a fantasia criada para sustentar o Governo Dilma: uma fantasia que não toma a história nacional como comédia – uma trama que sempre avança para um estágio superior -, mas que toma a comédia pessoal de Dilma e do PT pela história nacional, parafraseando o velho Marx. Lula sabe que isto é um discurso para encantar a militância e maravilhar a surpreendente quantidade de intelectuais que o Brasil desconhecia possuir. Consciente de que hoje ele é mais do que os dois, reza silenciosamente a todos os deuses para que o impeachment o livre do fúnebre destino de prolongar um governo moribundo. Ele prefere as ruas e 2018, resta saber se repensando o passado recente ou buscando fazer com que a sua comédia pessoal coincida com a história nacional.

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A aprovação da admissibilidade leva inexoravelmente ao impeachment. Acaba o Governo Dilma, e a conjuntura anda, abandonando o giro falso de um gato atrás de sua própria cauda. Se anda, não nos leva do inferno ao céu, mas a um purgatório aquecido pela crise econômica, pela radicalização política, pelo apodrecimento do nosso sistema político, pela Lava Jato. O glacial Michel Temer ascende ao poder com o velho PMDB, com uma única arma nas mãos: a possibilidade de recuperar a política como dimensão de resolução de nossos conflitos, como capacidade de exploração de possibilidades que antes pareciam vedadas, inclusive na economia. O seu grande desafio será o de responder à herança de problemas que herdará com aquilo que hoje parece enojar a maioria dos brasileiros: a política.

Como no purgatório, será um tempo indeterminado de depuração necessária da política, sob pena de voltarmos ao inferno. As chances de dar certo são poucas a curto prazo, infelizmente, e ninguém olha para Temer como um Moisés. Mas talvez a experiência do conflito que estamos vivendo lhe dê uma chance de presidir a passagem para outro ciclo: até agora, em que pese a virulência dos conflitos políticos, todos os principais atores buscaram na Constituição os seus argumentos e premissas, respeitando o direito de errar por último do STF. Nunca antes nesse país a Constituição foi tão invocada, tão abraçada. O leitor me dirá que os políticos mentem. Sei disso, e não só os políticos. Mas talvez a Constituição esteja se enraizando entre nós mesmo assim, como nos versos da canção: só pretendo que, de tanto mentir, repetir que me ama, você mesmo acabe crendo. Este recente aprendizado pode auxiliar Temer, se durar até 2018.

 

 

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