A cena cultural de Juiz de fora pode ganhar novas regras para incentivar a participação de músicos locais em eventos organizados ou patrocinados pelo Poder Público municipal. Este é o objetivo de um projeto de lei do vereador Wanderson Castelar (PT). O dispositivo iniciou tramitação na Câmara há quase um mês e quer fomentar as oportunidades para a apresentação de compositores, intérpretes e musicistas da cidade. O petista batizou a proposta como “Lei Ministrinho”, em homenagem póstuma ao compositor e instrumentista Armando Toschi, incentivador do samba juiz-forano. Um dos principais pontos levantados pelo parlamentar é sobre a possibilidade de se tornar obrigatória a paridade entre profissionais locais e de outros centros em eventos em que incida o aporte de recursos da Prefeitura, de forma que os músicos juiz-foranos tenham, no mínimo, o mesmo espaço nestas ocasiões que o destinado a artistas convidados.
Além de exigir a paridade numérica entre artistas da cidade e convidados de outros centros em eventos bancados com recursos públicos municipais, o projeto de lei determina ainda que, nestes casos, seja garantida a remuneração para compositores, intérpretes e musicistas locais. O texto também quer tornar obrigatória a execução de, pelo menos, um terço das obras de autores locais em tais eventos. Inicialmente, a proposta é vista pelo músico Edson Leão como capaz de fomentar uma discussão pertinente à cena cultural da cidade sobre a necessidade de valorização do conteúdo produzido em âmbito local. “Pode parecer óbvio, mas ao destacar esse ponto – ‘com atuação local’ – , o projeto já lança luzes sobre um erro de mentalidade histórico da cidade que foi o de tender sempre a valorizar mais o artista que nasceu aqui, mas desenvolveu boa parte do seu trabalho e obteve reconhecimento fora da cidade”, considera Leão.
“Um dos problemas centrais para a cultura da cidade sempre foi a valorização do ‘de fora’, incluindo nisso, um hábito de subestimar o significado da dinâmica cultural local e de julgar que o que é produzido localmente não pode ter um significado ‘em si’, mas que dependeria de atingir um reconhecimento ‘fora’ para ser valorizado localmente. Isso implica quase na ideia de que a própria cidade não tenha um sentido por si só, como um ‘não lugar’ ou um mero lugar de passagem entre o interior do estado e os grandes centros”, reforça o músico.
Leão ressalta a necessidade de se debater o tema e lembra tentativas frustradas de se avançar em debates similares no passado. “Acho extremamente válido que ele (o projeto de lei) venha a público pelo próprio debate que possa gerar. Espero que, de início, ajude a tirar os demais setores – como meios de comunicação, casas noturnas, produtores de evento e administração municipal – a terem que se posicionar de alguma forma sobre o que ele propõe. O cenário de entretenimento e cultura da cidade anda precisando de ações que façam sair de zonas de conforto.”
Proposta atinge mídia pública e privada
A proposição defende ainda a paridade e a obrigatoriedade de execução de pelo menos um terço de obras de autores locais seja aplicado aos meios de comunicação do setor privado, o que pode implicar na configuração da programação musical de rádios em operação na cidade. Ainda sobre os meios de comunicação, Castelar quer que canais de TV, rádios, portais de internet e congêneres mantidos pelo poder público municipal – como a Rádio Câmara e a JF TV Câmara, por exemplo – dediquem 100% de sua programação musical, quando houver, para promoção dos artistas locais e suas obras.
O projeto de lei ainda exige que compositores, intérpretes e musicistas de escolas de samba, blocos e demais agremiações carnavalescas sejam remunerados com, no mínimo, 10% do subsídio destinado pela Prefeitura a cada uma delas. O descumprimento da norma pode resultar na suspensão do pagamento de futuras subvenções à agremiação infratora. Ganhos com a comercialização da reprodução da obra destes artistas também devem ser repassados a estes profissionais.
Contrapartida
Por fim, a redação do dispositivo sinaliza que os artistas beneficiados pela lei se obrigariam, na forma de contrapartida cultural e sem ônus para o Município, a integrar um círculo de apresentações em estabelecimentos escolares da cidade. “Sem pretensão de impor rumos ao mercado da música, a proposta fixa uma fórmula de estímulo à produção local, condicionando o investimento público a quatro obrigações articuladas entre si: garantia de remuneração, paridade com artistas de outros centros, execução obrigatória da obra e citação dos seus autores. A contrapartida daqueles que se beneficiarem diretamente desta iniciativa será talvez a forma mais prazerosa prevista em todas as leis de incentivo: a apresentação para o público escolar de nossa cidade”, afirma Castelar, na justificativa da matéria.
Apresentado no último dia 17 de maio, a projeto ainda tramita pelas comissões específicas da Casa. No momento, está sob responsabilidade da Comissão de Legislação, Justiça e Redação, que já pediu parecer sobre a legalidade e a constitucionalidade da peça. Pelo teor da proposição, ela ainda será avaliada pelos colegiados que tratam de “Educação, Cultura, Turismo, Esporte e Lazer” e o que aborda questões ligadas a “Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira”.
Sem sucesso, tema já foi debatido em outras oportunidades na Câmara
Ferramentas para incentivar mais participação de artistas locais na cena cultural da cidade já foram alvo de outras discussões na Câmara Municipal, em projetos que se assemelham a alguns itens da proposta agora apresentada. Os esforços, no entanto, foram infrutíferos. Na mais recente delas, o ex-vereador e agora deputado estadual Noraldino Júnior (PSC) apresentou projeto de lei que visava garantir que músicos locais tivessem assegurado, mediante pagamento de cachê, apresentação na abertura de shows realizados na cidade por cantores ou grupos nacionais. A proposição, no entanto, recebeu parecer de ilegalidade e inconstitucionalidade da Comissão de Legislação, Justiça e Redação. Um dos argumentos foi no sentido de que o texto estabelecia regras que dizem respeito a procedimentos administrativos de empresas privadas, iniciativa que, no entendimento da Procuradoria da Casa, à época, não caberia ao Legislativo e nem ao Executivo municipal. O texto acabou retirado pelo próprio Noraldino onze meses após iniciar tramitação.
Já em 2005, a então vereadora Rose França também apresentou um projeto de lei que dispunha sobre a obrigatoriedade das emissoras de radiodifusão incluírem músicas, interpretes, autores, bandas e orquestras locais em sua programação. A previsão da proposta é de que artistas da cidade respondessem por 20% da programação musical de cada veículo. Uma vez mais, a Comissão de Legislação, então presidida pelo atual prefeito Bruno Siqueira (PMDB), apontou vieses de ilegalidade e inconstitucionalidade, sob entendimento de que “somente a União pode legislar sobre a matéria”. O destino do dispositivo foi o arquivamento. Antes, em 2002, o ex-vereador Vicente de Paula, Vicentão, também queria obrigar a Prefeitura e as empresas terceirizadas a contratarem artista locais na realização de eventos em espaços públicos. O texto também acabou arquivado.
Já em 2011, Roberto Cupolillo (Betão, PT), apresentou projeto de resolução com objetivo garantir que a Rádio Câmara destinasse, no mínimo, uma hora de sua programação diária à veiculação de músicas locais ou regionais. O texto chegou a ser debatido em plenário, mas acabou retirado pelo autor. Um projeto de resolução aprovado ainda em 2008, no entanto, afirma que a programação musical da Rádio Câmara “deverá, preferencialmente, veicular obras que estejam sob o domínio público, bem como de compositores locais e regionais, mediante autorização específica”.