Nos últimos dias, partidos de oposição correram até o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e propuseram ações pedindo que o presidente Jair Bolsonaro (PL) seja proibido de usar em sua campanha imagens dos atos do 7 de Setembro. Os questionamentos ainda pedem que a campanha à reeleição do presidente seja multada. Entre argumentos diversos, está o uso da máquina pública, inclusive da TV Brasil, que é uma estatal, para fins eleitoreiros. O fato é que a situação jogou luz a uma discussão já antiga nos processos eleitorais nacionais: o peso da máquina administrativa em favor do candidato da situação.
O debate sobre a questão ganhou novos contornos há 25 anos. Em junho de 1997, foi promulgada a Emenda Constitucional 16/1997, que permitiu a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos a partir de 1998. Seja pela utilização das estruturas de poder ou não, o fato é que uma nova realidade se estabeleceu no Brasil. Isso porque, até aqui, todos os presidentes que tentaram a reeleição saíram vitoriosos das urnas. Isso foi o que aconteceu com Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1998; Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2006; e com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014.
Mais do que isso. Entre 1998 e 2018, 97 governadores em todas as unidades federativas do país lançaram-se candidatos à reeleição. Destes, 70 saíram vitoriosos das urnas, renovando os seus mandatos por mais quatro anos, o que corresponde a 72% de sucesso. Em outras palavras, a cada quatro governadores que tentaram a reeleição no Brasil, três acabaram reeleitos. Em Minas o retrospecto é similar, com uma taxa de sucesso dos incumbentes ligeiramente menor, de 67%. Três governadores tentaram se reeleger no estado. Dois atingiram seus objetivos: Aécio Neves (PSDB), em 2006, e Antônio Anastasia (PSD), em 2010. O único ocaso foi o de Fernando Pimentel (PT), em 2018.
No atual processo eleitoral, além de escolher qual candidato deseja ver à frente da Presidência e do Governo de Minas, de certa forma, o eleitor mineiro também vai julgar a gestão de dois incumbentes. O governador Romeu Zema (Novo) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) têm o retrospecto e a máquina a seu favor. Resta saber se terão o eleitorado a seu lado após quatro anos de governo. Até aqui, as pesquisas apontam o favoritismo de Zema na disputa pelo Palácio da Liberdade. Por outro lado, Bolsonaro enfrenta um ex-presidente e vê Lula melhor posicionado nas pesquisas de intenção de voto. A saber se conseguirá manter a regra ou se vai se tornar o primeiro presidente candidato à reeleição a ser derrotado nas urnas.
‘A reeleição é uma vantagem para o candidato do governo não apenas no Brasil’
Para tentar entender o real peso das máquinas administrativas nas eleições gerais brasileiras nos últimos anos e também no atual processo eleitoral, a Tribuna conversou com dois cientistas políticos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), os professores Diogo Tourino e Jorge Chaloub.
Para Chaloub, o retrospecto mais favorável aos incumbentes não pode ser considerado uma jabuticaba brasileira. “A reeleição é uma vantagem para o candidato do governo não apenas no Brasil, mas em democracias presidencialistas, como a norte-americana. Se olharmos para a trajetória do dos Estados Unidos, sistema político de menos rupturas e mais longeva prática da reeleição que o nosso, apenas cinco presidentes não foram reeleitos nas eleições presidenciais dos últimos 100 anos”, afirma o especialista.
Por sua vez, Diogo Tourino dá dicas sobre qual pode ser o real peso da máquina administrativa em um processo eleitoral. “É óbvio que a máquina na mão sempre favorece, pela possibilidade que se tem de manobrar o orçamento para melhorar a percepção imediata da população em relação à situação econômica. A gente está vendo isso. O Governo Bolsonaro manobrou o orçamento ao ponto em que ele conseguiu reduzir relativamente o desemprego no trimestre e aumentar ligeiramente o poder de compra. Um exemplo é a discussão sobre a política de preço dos combustíveis”, avalia.
Outras vantagens
Para além do uso financeiro da máquina administrativa, os cientistas políticos apontam outras vantagens que os incumbentes que tentam a reeleição têm em relação a seus adversários. “Essa ideia de você melhorar a sensação imediata da população com relação à situação econômica é sempre um ponto positivo. Assim como o acesso à mídia pela não necessidade de se descompatibilizar do cargo para disputar as eleições. Isso é muito importante”, afirma Tourino.
Chaloub vai além e aponta outros aspectos. “As razões mais mencionadas pelos estudiosos do tema apontam não apenas para o uso da máquina estatal pelo outrora governante, que assume outra vez o papel de candidato, mas também por outros elementos, como o conhecimento prévio do candidato; e a solução prévia de um problema clássico de todo candidato: demonstrar a possibilidade de superar a distância que separa o discurso da ação governamental”, pontua
Desta maneira, Chaloub acrescenta que o candidato à reeleição seria, portanto, “alguém já conhecido e capaz de comprovar experiência no cargo, o que supera alguns dos maiores desafios, que demandam muito tempo e esforços de candidatos que concorrem pela primeira vez aos cargos”.
‘As candidaturas à reeleição sempre são plebiscitárias’
O cientista político Diogo Tourino chama atenção para outra característica trazida pela reeleição, em vigor no Brasil desde as eleições de 1998. “As candidaturas à reeleição sempre são plebiscitárias. Não se discute muito a agenda de futuro, mas, sim, a avaliação do governo. É sempre essa ideia de continuidade ou não.” Ao olhar o retrospecto histórico, o especialista considera que a atual disputa pela Presidência traz consigo um elemento inédito nas contendas presidenciais, que é o fato de um presidente incumbente, Bolsonaro, enfrentar um ex-presidente, Lula.
“Estamos diante de uma situação sem precedentes na história da Nova República, que é um candidato à reeleição e um ex-presidente se enfrentando. Então, nós temos duas situações de avaliação do passado. Ou seja, uma avaliação do passado imediato, com a avaliação do governo Bolsonaro; e outra avaliação de um passado mais distante, que é a memória que se tem sobre o governo Lula, que para algumas pessoas é muito viva e, para outras, nem tanto”, avalia Tourino.
‘Ante tantos fatores favoráveis, como perder a reeleição?’
Ao analisar o atual cenário eleitoral, Jorge Chaloub ressalta que ter a máquina administrativa em mãos não é necessariamente sinônimo de sucesso. “Ante tantos fatores favoráveis, como perder a reeleição?”, questiona o cientista político, para, logo em seguida, responder. “Com um governo impopular, que faça os eleitores, na lógica plebiscitária que envolve toda eleição, votarem pela não continuidade.”
Chaloub ainda lembra que a popularidade do incumbente também pode resultar em ônus como a rejeição, que pode ser confrontada com a de outros nomes já testados nas urnas. “A atual eleição presidencial é um bom exemplo. Mesmo que Bolsonaro seja um presidente com altas taxas de rejeição, há sempre que se lembrar que Lula não é um oposicionista qualquer, mas um candidato que estava nas urnas, ou figurava como principal eleitor, em todas as eleições presidenciais desde 1989. Ele já detém boa parte das vantagens trazidas pela reeleição, como o conhecimento e a demonstração de capacidade de governo.”
‘A máquina favorece, mas isso, por si só, não é um argumento para acabar com o mecanismo’
Diante do risco do uso da máquina administrativa para fins eleitoreiros, cabe a pergunta: a reeleição prejudica a condução dos governos, uma vez que os governantes podem estar mais preocupados com a renovação de seus mandatos? Com a palavra, Diogo Tourino: “Bom, essa ideia de que a reeleição é prejudicial para a condução do Governo tem sido aventada pelo próprio artífice da aprovação da reeleição no país, que foi o Fernando Henrique Cardoso. Ele mesmo se diz arrependido, e que preferia mandatos maiores à reeleição.”
O próprio cientista político faz a próxima pergunta: “por que mandatos maiores?”. Ele mesmo responde. “A ideia é de que presidente, no primeiro ano, lida com um orçamento que não é seu, aprovado pelo governo anterior. Então, ele precisaria de um ciclo de cinco anos para conseguir avançar na execução e na promoção de políticas públicas”, explica.
Por outro lado, Tourino considera que a avaliação sobre a validade ou não do dispositivo da reeleição não pode levar em consideração apenas o recorrente sucesso dos incumbentes nas urnas. “Cada caso tem que ser avaliado na sua particularidade”, diz, antes de concluir. “É óbvio que a máquina favorece, mas isso, por si só, não é um argumento para acabar com o mecanismo.”
Veredicto
Pessoalmente, Diogo Tourino se diz contrário à reeleição. “Não gosto do mecanismo”, resume, antes de detalhar: “Acho que a reeleição, de alguma forma, submete a agenda do primeiro governo à possibilidade de um segundo e à ideia de que o governante tem que estar muito mais preocupado com a coalizão de forças para um eventual segundo mandato do que propriamente preocupado com o primeiro. Acho muito mais interessante a ideia de um mandato de cinco anos e a ausência de reeleição. Mas esta é uma defesa hipotética”, pontua.
Por sua vez, Jorge Chaloub evita colocar a reeleição como vilã do sistema político brasileiro. Assim, o cientista político considera o dispositivo da reeleição como “um dos meios de controle dos governantes pela população”. “Muitos veem na reeleição um problema do sistema político brasileiro, que levaria os políticos a governarem já com um olho nos futuros pleitos e a evitar medidas potencialmente impopulares no curto, mas benéficas no médio e longo prazo. Tendo a discordar dessa perspectiva, dado que toda a máquina estatal, assim como o debate público que a cerca, são necessariamente atravessados pela política e marcados pela tensão ante a eleição que se delineia no horizonte, mesmo quando o candidato é outro”, finaliza.