Tribuna -Nos últimos anos, em especial nas eleições passadas, não foram raros os esforços para fomentar a participação das mulheres no processo eleitoral, bem como para conscientizar o eleitorado acerca da importância de uma maior representatividade feminina nas cadeiras eletivas. No entanto, no processo eleitoral do ano passado, o que se viu foi uma vez mais uma ampla maioria de homens sendo eleitos para ocupar os cargos em disputa. Do seu ponto de vista, quais são os principais fatores que ainda mantêm as mulheres, de certas formas, alijadas – ao menos em números substanciais – das disputas eleitorais e, de certa forma, da discussão política mais institucionalizada?
Luciana de Oliveira Ramos – Temos três fatores essenciais que mantêm as mulheres fora da participação na política formal, que, de alguma forma, inibem ou obstaculiza a presença delas nas casas legislativas. O mais grave é que os partidos políticos têm muita resistência em incluí-las no jogo eleitoral. A política é uma forma de determinados grupos se perpetuarem no poder. A brasileira foi construída em um modelo e regras do século XVIII e XIX que ainda se mantêm. Como, por exemplo, o fato de existirem poucas dirigentes de partidos que são mulheres e o fato de os partidos não verem as mulheres como potenciais puxadoras de votos. Há também a questão de os partidos não darem importância e destinarem pouco dinheiro para as campanhas de mulheres. A gente sabe que, no Brasil, ganha a eleição quem tem mais dinheiro. Então é um problema quando o partido não aposta em campanhas de mulheres, que acabam como figurantes, protocoladas pelos partidos apenas para cumprir a cota eleitoral.
Os partidos são o grande gargalo deste problema. O segundo ponto é que o sistema eleitoral brasileiro é proporcional de lista aberta. O fato de ser lista aberta faz com que os candidatos do partido briguem entre si. Vencem aqueles que, dentro do partido, teve mais financiamento e apoio do partido. Mais uma vez, como não têm estes recursos, as mulheres acabam alijadas da política formal. O terceiro fator é o próprio machismo que tenta colocar a mulher em um espaço privado, em um espaço de casa. Vide, por exemplo, o recente discurso do presidente Michel Temer (PMDB) no Dia Internacional da Mulher. Este discurso tenta fazer com que as mulheres não participem das discussão mais relevantes.
– Qual o melhor caminho para tentar reverter este quadro? Leis que forjem uma amarração que garanta maior participação e até mesmo reserva de cadeiras para mulheres ou a conscientização de mulheres e eleitorado? Pergunto isso porque temos as cotas partidárias que obrigam que as coligações indiquem pelo menos 30% de candidatas em cada chapa. Contudo, na maioria das vezes, podemos perceber que muitas mulheres são utilizadas apenas para a composição legal, ficando à margem das campanhas e dos recursos necessário às empreitadas eleitorais.
– Existe uma legislação, mas é uma legislação que tem falhas. Isto ainda é muito pouco, pois exige apenas um percentual mínimo na lista de candidaturas. Há um caminho enorme para que as mulheres possam vir, de fato, a vencer a eleição. Visivelmente, esta é uma política pública que não tem funcionado, até porque os partidos criam maneiras para burlar as regras. Precisamos de uma conjunção de fatores para tentar mudar este cenário. Se pensarmos em uma reserva de cadeiras e não apenas de um percentual de candidaturas seria muito mais efetivo, pois, assim, haveria garantia de um mínimo de participação próximo do que se considera razoável. Existe uma proposição de emenda constitucional neste sentido, mas, acho, acabará barrada na Câmara por afetar exatamente a ocupação dos cargos nas casas legislativas. Esta proposta prevê um percentual mínimo de 10% nas eleições subsequentes à aprovação, depois 12% e mais à frente 16%. São percentuais pífios, que não melhoram a posição do Brasil no ranking mundial.
Precisamos ainda de conscientização e também treinamento para que as mulheres estejam melhores preparadas para o jogo político. Precisamos também que a sociedade civil tenha ferramentas de controle para monitorar os partidos. Eles precisam compreender que a presença das mulheres na política é importante e faz a diferença para a tomada de decisão política no país. As mulheres precisam enxergar isto como algo efetivo no avanço de políticas públicas que tenham como tema o direito das mulheres. Esta conscientização está em andamento. Assim, é necessário focar nos partidos políticos. Precisamos democratizar estas estruturas completamente antigas e de visão conservadora.
– Para fomentar a discussão proposta, fiz um levantamento com a representatividade das mulheres nas câmaras municipais das cidades com os dez maiores eleitorados de Minas Gerais. O percentual de mulheres nas legislaturas varia entre 7% e 14%, mesmo que em todas as cidades as mulheres respondam por mais de 50% do eleitorado. O baixo percentual chama atenção, sendo mais baixa até que os índices observados em países do Oriente Médio, conforme dados divulgados pela União Parlamentar em 2015. Que análise é possível fazer destes números? Esta é uma característica do Brasil? Há algum país que possa servir como exemplo para o fomento ao incremento das mulheres no política e à conscientização do eleitorado como um todo?
– Isto é um retrato muito semelhante ao que acontece no âmbito federal. Contudo, muitos países da América Latina têm posições ótimas no ranking internacional e tiveram muitos avanços no que diz respeito à participação das mulheres na política. É o caso da Argentina, do México e do Chile, que também teve um aumento recente. Não considero que isto seja uma característica do Brasil, mas de nossas estruturas e instituições. Nossa legislação também não é muito boa neste sentido. Como contraponto, daria o exemplo da Argentina. É um país tão machista quanto o nosso, mas tem um sistema eleitoral diferente, com lista fechada.
Assim é possível saber de antemão quem vai ser eleito caso um partido consiga ter três cadeiras. Neste exemplo é possível indicar uma mulher e dois homens, o que significa uma representação de pelo menos 33%. Sobre a conscientização do eleitorado, não considero que ele seja machista. Veja as eleições de 2010, em que mais de 60% dos votos foram para mulheres, quando somamos os votos de Dilma (Rousseff, PT) e Marina (Silva, Rede). Lá atrás, em 1928, quando as mulheres ainda não tinham direito a voto, tivemos a primeira prefeita eleita do país. Os homens votaram em uma mulher. O problema não está no eleitor, mas no modo em que nossas instituições estão organizadas.