O imbróglio entre o Governo do estado e o Banco do Brasil (BB) sobre o pagamento de alvarás judiciais tem causado transtornos para quem possui valores a serem resgatados de depósitos judiciais feitos até outubro de 2015. Na quarta-feira (8), o gerente de uma agência do banco em Juiz de Fora foi preso após descumprir uma ordem expedida pelo juiz Luiz Guilherme Marques, que determinava o pagamento imediato a um cliente. Conforme informações da Polícia Militar (PM), o funcionário alegou que a instituição financeira não possui saldo nas contas. O problema teria sido ocasionado após a sanção da lei estadual 21.720 que autorizou o Estado a utilizar 75% dos valores de depósitos judiciais para arcar com a previdência social, precatórios e dívidas com a União.
O advogado Joaquim Maximiano Henriques da Silveira relatou que esteve na quarta-feira na agência do BB, para receber o pagamento de um alvará judicial. “Meu cliente moveu uma ação em 2011 e ganhou. O pagamento foi feito por meio de depósito judicial, e agora o banco se recusou a entregar.” Após a negativa por parte da instituição financeira, ele compareceu à 2ª Vara Cível, onde o juiz Luiz Guilherme Marques expediu ordem determinando o pagamento imediato. Acompanhado por uma oficial de justiça, o advogado retornou ao local onde novamente ouviu que não receberia o dinheiro. A PM foi acionada e deu voz de prisão ao gerente da agência, que foi conduzido à delegacia e liberado após a assinatura de um termo. “Ele responderá um processo no juizado criminal por descumprir uma ordem judicial”, afirmou o advogado.
No texto da ordem judicial, o juiz Luiz Guilherme Marques afirma que “não posso acreditar que o direito do autor de receber a quantia mencionada seja inviabilizado por qualquer pretexto moral ou imoral que seja”. E segue determinando que “o autor faz juz ao mencionado valor e o Banco do Brasil está agindo de forma imoral e contrária ao Direito. Em face disto, determino o cumprimento imediato desta decisão.”
Mesmo de posse do documento expedido pelo juiz, o cliente de Joaquim Silveira ainda não conseguiu resgatar o dinheiro. “Isso ocorre com todas as pessoas que têm direito a depósitos feitos até outubro de 2015. Depois disso, o então ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, suspendeu a lei por inconstitucionalidade, e o Governo ficou impedido de usar os recursos.” Na avaliação do advogado, os clientes não podem ser penalizados pelo imbróglio entre o Estado e o Banco do Brasil. “O meu cliente tem um contrato tácito com o banco que, como depositário, tem a obrigação de devolver o dinheiro. Irei fazer um pedido de bloqueio judicial da conta do banco para que este valor seja liberado.”
Moradora de Rio Pomba, a dona de casa Isaura Dias Martins, 70 anos, espera receber o valor de um terreno vendido há quatro anos. “Na época, a compradora era menor de idade e utilizaria o valor de uma herança para a compra. A situação precisava ser analisada pela Justiça, e o processo começou em maio de 2013.” Em junho do ano passado, a dona de casa esteve em Juiz de Fora para receber o primeiro alvará judicial relativo à venda. “A informação que recebi no Banco do Brasil é que o depósito foi feito errado, em uma conta em Belo Horizonte. Acionei meu advogado para tentar recuperar o dinheiro. Em outubro, retornei para receber o segundo alvará e me disseram a mesma coisa. Pelo noticiário, descobri que o Estado tinha gastado o dinheiro dos depósitos judiciais, em nenhum momento disseram isso para mim e para outras pessoas que estavam lá na mesma situação.” Ela diz que teme não conseguir resgatar o valor. “A compradora já pagou, é dona do terreno, e eu até hoje não recebi o dinheiro.”
Por nota, a assessoria do Banco do Brasil apenas confirmou que, em atendimento à determinação do juiz da 2ª Vara Cível da comarca de Juiz de Fora, o gerente do Banco do Brasil foi levado coercitivamente à delegacia. Segundo o banco, o gerente “prestou esclarecimentos quanto ao fato de não haver saldo no fundo de reserva para pagamento de alvará judicial relativo a depósito judicial transferido ao Estado de Minas Gerais e ao respectivo fundo de reserva, nos termos da lei estadual nº 21.720/2015”. Destacou ainda que, prestadas as informações, o gerente foi liberado.
OAB cobra solução rápida
O procurador Regional de Prerrogativas, Giovani Marques Kaheler, também defende que o cidadão não pode arcar com impasse que se tornou a situação entre o Banco do Brasil e o Governo do estado. “O banco alega que os recursos do fundo que foi criado para os depósitos judiciais acabaram por conta dos gastos do Estado, que por sua vez argumenta que a instituição financeira não apresentou balanço de comprovação das contas. O cidadão fica no meio disso, sem acesso ao dinheiro que é dele. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) exige uma solução independente de quem for o culpado.”
Ele explica que, enquanto isso não ocorrer, cada caso será analisado individualmente. “O juiz quem faz aferição de qual é o melhor meio de se cobrar esse dinheiro. Isso pode ocorrer com bloqueio das contas do Banco do Brasil ou do Governo de estado, por exemplo. A advocacia e o cidadão não sabem quem é o culpado, e a situação será analisada em juízo.”
Em fevereiro, a Subseção de Juiz de Fora da OAB oficiou ao governador Fernando Pimentel (PT) requerimento para que o Estado recomponha imediatamente o fundo de reserva dos depósitos judiciais. Segundo Kaheler, até o momento, nenhum retorno foi dado.
Imbróglio jurídico ainda não foi sanado
Os desentendimentos entre Banco do Brasil e Governo de Minas sobre o cumprimento da lei estadual começaram tão logo a norma que autoriza o Estado a utilizar até 70% dos recursos oriundos dos depósitos judiciais em processos vinculados ao TJMG foi validada. As leituras distintas levaram a instituição financeira a recorrer o Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando que o Estado recomponha R$ 1,5 bilhão do fundo de depósitos judiciais.
Em janeiro, a presidente do STF, a ministra Cármem Lúcia, negou pedido do Governo para impedir o bloqueio de R$ 1,5 bilhão das contas estaduais e permitiu que o valor fosse retido pelo Banco do Brasil. No fim do mês passado, contudo, o Estado conseguiu que a Justiça estadual determinasse ao BB que não se recusasse a efetuar o pagamento de alvarás judiciais e demais mandados de pagamento, enquanto houver valores no fundo de reserva, ainda que inferiores ao percentual de 30%. Tal decisão, contudo, foi derrubada há um mês, por decisão do ministro Celso de Mello, do STF. A contenda jurídica entre as partes ainda não foi sanada.