A Câmara Municipal de Juiz de Fora vive, entre a segunda quinzena de julho e a primeira de agosto, o primeiro recesso da Legislatura 2021/2024. Com as discussões parlamentares momentaneamente paralisadas, a Tribuna de Minas, em parceria com o JF em Dados, publica uma série de matérias que analisam os primeiros sete meses de trabalho da atual configuração do Poder Legislativo juiz-forano. Segundo o levantamento, 124 projetos de lei foram apresentados pelos vereadores até aqui neste ano. Desses, 93 dispositivos podem ser considerados como de impactos variados, enquanto 31 proposições são consideradas como de baixo impacto social, o que corresponde a 25% do total. Assim, um em cada quatro projetos de lei ordinários apresentados na Câmara este ano diz respeito a proposituras como concessão de título de cidadania, criação de datas comemorativas e denominação de ruas e outros próprios municipais.
“Os projetos considerados como de baixo impacto são aqueles que não provocam mudança substancial no status quo. É aquilo que não traz mudança substancial na ordem jurídica, por exemplo. Tem a ver com isso, com provocar mudanças na ordem jurídica, e tem a ver com impactos distributivos. Quando falamos de impacto distributivo, falamos da distribuição de recursos; de acesso da população ao orçamento; de quem ganha o que e aonde. Boa parte da política diz respeito a isso. Principalmente em período de crise, como o que a gente está vivendo, esse conflito distributivo tende a ficar mais acirrado. Geralmente, o que entra aí são homenagens, moções, denominação de próprios públicos, entre outros”, explica a professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Política Local (Nepol), Marta Mendes.
Entre os 31 projetos de lei considerados de baixo impacto, 15 dizem respeito à denominação de ruas e outros próprios municipais. Um terço destas proposições, cinco, já foram transformadas em lei, e uma foi arquivada.
Outros nove ainda estão sendo discutidos na Casa. Há homenagens a personalidades da cidade falecidas recentemente. É o caso de dois dispositivos, que sugerem rebatizar com o nome do empresário e carnavalesco José Carlos Passos, o Zé Kodak, uma galeria situada na Rua Halfeld. Um deles é assinado pelos vereadores Zé Márcio (Garotinho, PV), André Luiz (Republicanos), Vagner de Oliveira (PSB) e Nilton Militão (PSD); o outro, por Cido Reis (PSB). Já outra proposta, de autoria de Marlon Siqueira (PP), quer dar o nome do empresário Juracy Neves ao Parque Municipal Sesc/Prefeitura, a ser inaugurado nas instalações do antigo Sesc Pousada, no Bairro Nova Califórnia. Juracy é fundador do Grupo Solar – hoje, Rede Tribuna de Comunicação – e faleceu em dezembro do ano passado.
Três políticos foram agraciados com título de cidadania; entre eles, Zema
Por outro lado, entre os 31 projetos de lei ordinários apresentados pelos vereadores e considerados de baixo impacto está a concessão de oito títulos honoríficos. Cinco já foram aprovados e transformados em lei, entre eles, três homenagens a políticos. Após rejeitar reconhecer o governador Romeu Zema (Novo) como cidadão honorário de Juiz de Fora no ano passado, a Câmara aprovou a honraria este ano, ao admitir projeto de lei assinado por 13 vereadores: Vagner de Oliveira, André Luiz, Dr. Antônio Aguiar (DEM), Cido Reis, Bejani Júnior (Podemos), Zé Márcio, João Wagner (PSC), Julinho Rossignoli (Patriota), Kátia Franco Protetora (PSC), Pardal (PSL), Maurício Delgado (DEM), Nilton Militão e Tiago Bonecão (Cidadania).
Outro político reconhecido como cidadão honorário da cidade, em proposição apresentada e aprovada este ano, é o deputado Fred Costa (Patriota). A homenagem acontece a partir de sugestão de Kátia Franco. A ex-vereadora Ana Rossignoli (Patriota) foi outra agraciada e recebeu o título de cidadã honorária de Juiz de Fora, por proposta de Marlon Siqueira.
Entre os demais três projetos de lei que dizem respeito a concessão de título honorífico, dois já foram arquivados, e um segue em tramitação.
Dia do ‘Influenciador Digital’ e do ‘Automobilismo’
Os vereadores ainda apresentaram cinco projetos de lei que, de uma forma ou de outra, versam sobre as definições de datas no calendário oficial do Município ou comemorativas. Até aqui, apenas um foi transformado, aquele que cria o Dia Municipal do Influenciador Digital, de autoria de Bejani Júnior; e outro acabou arquivado. Entre os que ainda tramitam na Casa estão os que dispõem sobre as definições do Dia Municipal do Automobilismo, sugerido por João Wagner; sobre a Semana Municipal de Prevenção de Acidentes Domésticos com Idosos, proposta por André Luiz, Julinho Rossignoli, Nilton Militão e Tiago Bonecão; e sobre a inclusão do evento JF Sabor no calendário oficial, defendida pelo vereador Sargento Mello Casal (PTB).
Por fim, ainda foram apresentados três projetos de lei que declaram entidades locais como de utilidade pública. Duas proposições já foram aprovadas e concederam o status à Associação Projeto Viver em Cristo e à Associação de Voo Livre de Juiz de Fora. Uma ainda está em tramitação e trata do reconhecimento da Associação Casa de Itália.
Especialista ressalta que avaliação de trabalho dos parlamentares deve ser mais ampla
A despeito de tais proposições serem consideradas de baixo impacto em muitos campos da Ciência Política, a professora Marta Mendes ressalta que as discussões não devem ser consideradas como irrelevantes. “Hoje, no Brasil, como em muitos países, uma boa parte das lutas políticas é travada na esfera do simbolismo, é claro que isso não é irrelevante. Toca em questões que são importantes, no universo do simbólico, dos valores e da memória. Até o conceito de baixo impacto tem que ser olhado com cuidado. Baixo impacto para quem?”, questiona. Como exemplo, Marta cita as discussões em torno da estátua de Borba Gato, em São Paulo, e anseios de grupos sociais que questionam denominação de rua que fazem referência a lideranças durante o período da ditadura militar, como, por exemplo, a Avenida Costa e Silva, no Bairro São Pedro. A professora também ressalva que a classificação como “de baixo impacto” não é consensual. “Há uma certa controvérsia sobre a questão”, explica, por conta de um possível efeito distributivo destas legislações.
Além disso, de acordo com ela, a avaliação dos projetos de lei não deve ser a única forma de análise dos trabalhos parlamentares. “Do ponto de vista das prerrogativas constitucionais e decisórias, o vereador pode fazer muito pouco. Nas três esferas de Governo, temos uma concentração muito grande de prerrogativas em torno dos poderes Executivo. Não sobra muita coisa para os vereadores fazerem. Sabemos que a produção legislativa não é o forte das Câmaras Municipais no Brasil. A maior parte dos esforços não vão para projetos de leis”, pontua Marta.
Assim, ela destaca que as atuações dos parlamentares municipais se concentram mais nas indicações de ações ao Poder Executivo, em atendimento a pleitos da população. “A maior parte dos esforços vão para as indicações, que, em Juiz de Fora, são chamadas de requerimentos. São pedidos de providência feitos aos órgãos de Administração pública, em um atendimento do cidadão no varejo”, explica.
Ela lembra ainda que os vereadores possuem uma atuação de responsabilidade fiscalizatória e ainda cumprem um papel regulador das discussões de políticas municipais, citando, como exemplo, a discussão de plano de abrangência local e a convocação e realização de audiências públicas.
Estreantes estão entre aqueles que mais apresentaram proposições
O JF em Dados analisou o perfil dos projetos de lei apresentados pelos 19 vereadores, sob a ótica de seus impactos na sociedade. Segundo o levantamento feito pelo grupo, apenas três parlamentares tiveram a integralidade de suas proposições consideradas como de impacto variados: Cida Oliveira (PT), que assina individual ou coletivamente quatro projetos de lei; Laís Perrut (PT), com cinco proposições; e Tallia Sobral (PSOL), também com cinco.
Na outra ponta, outros três parlamentares tiveram 50% ou mais de suas proposições classificadas como de baixo impacto social: João Wagner (PSC), Cido Reis (PSB) e Vagner de Oliveira (PSB).
Do ponto de vista numérico, o parlamentar que mais apresentou projetos nos primeiros seis meses do atual ano legislativo foi o estreante Julinho Rossignolli (Patriota). Filho da ex-vereadora Ana Rossignoli (Patriota), Julinho apresentou, em sete meses, 25 posições, sendo 20 delas classificadas como de impacto variado e cinco como de baixo impacto.
Na sequência, aparecem os também estreantes Bejani Júnior (Podemos), que apresentou 22 projetos de lei, sendo 17 de impacto variados e cinco de baixo Impacto; e Tiago Bonecão (Cidadania), que apresentou 16 proposições, sendo 13 de impacto variado e três consideradas como de baixo impacto social.
Saúde e temas sociais marcaram demais proposições
Dentre os 93 projetos de lei considerados de impacto variado, a maior parte, 29, diz respeito a proposições voltadas à pandemia e atacando diversos pontos da crise, como aspectos financeiros, o combate à curva de contágio e a campanha de vacinação, conforme detalhado pela Tribuna em reportagem publicada no último domingo (1º). Entre os demais, em triagem feita pela reportagem, considerando o teor central das proposições, os temas mais recorrentes foram projetos de lei de cunho social, alvo de 23 proposições; e de saúde, para além da pandemia, tema de 17 propostas. A proteção animal ainda foi alvo de sete projetos de lei ordinários; a cultura, de quatro; e a educação, de três. Outros dez dispositivos trataram de temas diversos.
Entre aqueles que têm como foco aspectos sociais, três já foram transformados em legislação. Uma das proposições dá prioridade para mulheres vítimas de violência doméstica na tramitação de processos administrativos. A lei é oriunda de projeto assinado pela vereadora Laiz Perrut (PT). Também de autoria de Laiz, outra lei assegura a transgêneros, travestis e homens e mulheres transexuais o direito à escolha de utilização do nome social em atos e procedimentos da Administração Direta e Indireta Municipal. A terceira legislação trata da criação do Projeto Pintando o Futuro. De autoria de Tiago Bonecão, a regra prevê o trabalho de sentenciados em regime semiaberto na recuperação dos prédios das escolas municipais. Dos demais projetos que têm foco em aspectos sociais, 18 estão em tramitação e dois foram arquivados.
Já entre os 17 que tratam de saúde, para termos que não dizem respeito à pandemia da Covid-19, duas proposições foram transformadas em legislação municipal. Proposta pelo vereador Maurício Delgado, nova lei determina a publicação, por parte do Poder Executivo, de lista cronológica de espera por consultas comuns ou especializadas e outros procedimentos de saúde agendadas na república de saúde. Entre as demais proposições, três foram arquivadas e 13 seguem em tramitação. A outra legislação é de autoria de Julinho Rossignoli e autoriza a Prefeitura a adotar o chamado “Corujão da Saúde” para a disponibilização de consultas, exames e cirurgias em horários alternativos, preferencialmente das 18h à meia-noite.
Já com relação aos projetos que versam sobre a proteção animal, um foi transformado em lei e proíbe, sob pena de multa, que pessoas façam tatuagens ou piercings em animais para fins estéticos. A regra é originária de projeto de lei do vereador Pardal.
Entre as propostas relacionadas à cultura apresentadas neste ano, uma já é lei e determina que o Município de Juiz de Fora deverá reservar um percentual mínimo de 5% de participação de pessoas idosas em projetos culturais e artísticos financiados pelo Programa Cultural Murilo Mendes. Até aqui, nenhuma das três propostas que falam sobre aspectos relacionados à educação municipal foi aprovada.
Assuntos diversos
Por fim, entre as dez proposições que têm como tema assuntos diversos, três foram transformadas em legislação municipal. Uma delas é assinada pela Mesa Diretora e trata da concessão de correção salarial para os servidores da Câmara Municipal. Outra é assinada por sete vereadores e adéqua regras da atual Lei da Anistia, aprovada este ano, a partir de projeto de lei proposto pela Prefeitura. A terceira, de autoria de Julinho Rossignoli, regulamenta a identificação de terrenos pertencentes ao Município.