Em comum, ambas as legendas são coadjuvantes em projetos encabeçados por estreantes na disputa majoritária. Em outros pleitos desde 1983, MDB e PSDB já renunciaram à cabeça de chapa, mas as eleições juiz-foranas sempre tiveram um emedebista ou um tucano na corrida pelo Executivo.
Em 37 anos, o MDB abriu mão de lançar candidatura própria apenas em uma oportunidade. Em 2004, os emedebistas apoiaram o candidato Sebastião Helvécio (PDT), mas, ao contrário deste ano, ao menos emplacaram na chapa o candidato a vice, Juraci Scheffer – hoje vereador pelo PT. Neste ano, o MDB chegou a indicar à Sheila o nome de José Armando da Silveira como vice, mas o juiz aposentado foi preterido em relação ao vereador Júlio Obama Jr. (Podemos).
Por outro lado, o PSDB renunciou à disputa pela PJF por duas eleições: em 2000 e 2016. À época da primeira, compôs a coligação do candidato Renê Matos (PSB), quando cedeu Marcelo Frank como candidato a vice. Na segunda oportunidade, aliou-se ao próprio MDB para a reeleição de Bruno Siqueira. Em todas as eleições em que não tiveram candidaturas próprias, os postulantes à PJF apoiados por MDB e PSDB chegaram ao segundo turno em apenas uma vez, justamente com Bruno. Helvécio e Renê, por exemplo, ficaram na terceira colocação.
‘Fadiga de material’
Para o cientista político Rubem Barboza Filho, professor do Instituto de Ciências Humanas da UFJF, tanto MDB quanto PSDB enfrentam uma “fadiga de material”. “Primeiramente, tanto um partido quanto outro tiveram pouca renovação (de quadros políticos). E, ao mesmo tempo, aconteceram distensões internas que resultaram na saída dos ex-prefeitos Tarcísio Delgado, do MDB, e Custódio Mattos do PSDB. Fundamentalmente, o que quero dizer por ‘fadiga de material’ é que não há uma renovação dentro dos partidos. Esses partidos viveram distensões internas que culminaram na saída de lideranças fortes, que não estavam mais dispostas a se submeter ao jogo eleitoral. Os partidos ficaram desarmados diante da conjuntura.” Ambos os partidos encerram a atual legislatura sem representante algum na Câmara Municipal de Juiz de Fora, aliás.
Além de reforçar a cisão com os ex-prefeitos como determinante para a perda de protagonismo local de MDB e PSDB, o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, professor na Faculdade de Comunicação da UFJF, por sua vez, aponta o desgaste das siglas durante os mandatos à frente da PJF como outro fator relevante para explicar o fato de ambos estarem fora das eleições majoritárias como protagonistas.
“As disputas internas são uma das variáveis, mas há outra, que é o desgaste de ambos terem ocupado por tantos anos o Executivo local. O Custódio, que foi o último prefeito do PSDB, não conseguiu a reeleição em 2012, por exemplo. Já o ex-prefeito Bruno Siqueira saiu da Prefeitura e não conseguiu a eleição à Assembleia Legislativa. O prefeito Antônio Almas, que é o seu sucessor, não tem uma gestão bem avaliada pelo eleitor. E o próprio Marcus Pestana, cotado para concorrer à Prefeitura, não conseguiu se reeleger na Câmara dos Deputados em 2018.”
Contudo, Paulo Roberto alerta que, após as eleições de 2018, que elegeram o presidente Jair Bolsonaro, a maior dificuldade de partidos de centro-direita e direita como MDB e PSDB é o surgimento de uma direita mais radicalizada. “Em muitos cenários, eleitores conservadores votaram no PSDB e MDB, até como alternativas viáveis ao PT, mas, agora, estão partindo para outros partidos. (…) Há uma nova direita radicalizada em muitos sentidos. O eleitor de direita votou por muito tempo em MDB e PSDB mais circunstancialmente do que por adesão. Agora, esse voto vai para candidaturas que sejam mais próximas aos valores conservadores do eleitor.”
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Custódio e Tarcísio governaram por 21 anos
O único prefeito fora das hostes de MDB e PSDB a governar Juiz de Fora nos últimos 32 anos foi Carlos Alberto Bejani. Em 1988, Bejani fora eleito pelo extinto PRN; em 2004, por sua vez, pelo PTB. Exceto os dois mandatos de Bejani, MDB e PSDB sempre se revezaram à frente da PJF. Custódio Mattos, por exemplo, foi prefeito de Juiz de Fora pelo PSDB entre 1992 e 1996, e, posteriormente, entre 2008 e 2012. E Antônio Almas, desde 2018, chefia o Executivo após a renúncia do ex-prefeito Bruno Siqueira. Já o MDB esteve à frente da PJF de 1983 a 1988 e, posteriormente, entre 1996 e 2004, em ambas ocasiões com Tarcísio Delgado. Os emedebistas ainda retornaram ao Executivo em 2012, sob a batuta de Bruno Siqueira.
Nem Custódio tampouco Tarcísio permaneceram, respectivamente, em PSDB e MDB. Desde abril, Custódio é filiado ao Cidadania, partido que abriga também o próprio filho do ex-prefeito, o vereador Rodrigo Mattos. Tarcísio, por sua vez, está entre os quadros do PSB desde outubro de 2013, e, assim como Custódio, ingressou na mesma legenda do filho, o deputado federal Júlio Delgado. “Há uma longa história, que não é de Juiz de Fora, mas também de país, de uma política personalizada, até o ponto de usarmos expressões como ‘tarcisismo’ e ‘bejanismo’. Há traços de personalização da política que se manifestam e ajudam a entender as lideranças desses partidos nos últimos anos”, pontua Paulo Roberto. Para ele, as saídas de Custódio e Tarcísio levaram PSDB e MDB a perder quadros “com maior densidade”, mais próximos a estas figuras históricas.
“Quantos ainda estão nos partidos? Me parece que, nos últimos anos, no caso do PSDB, havia uma clara cisão entre o grupo mais ligado ao Pestana e o grupo ligado ao Custódio. Do mesmo modo, já no MDB, havia uma longa disputa que vem lá de trás entre as pessoas ligadas ao Tarcísio e as pessoas ligadas ao Itamar Franco. Em alguma dimensão, há uma tendência fortemente personalista, o que produziu inflexões internas e o desgaste dos governos desses partidos. A última gestão do MDB não permitiu a Bruno sequer ser deputado estadual. O último mandato de Custódio não permitiu que ele conseguisse a reeleição. Há uma fadiga de material depois de muito tempo que essas pessoas estiveram nos partidos.”
Questionado se a adesão do eleitorado a Custódio e Tarcísio se sobrepunha à relevância de, respectivamente, PSDB e MDB, Rubem Barboza aponta que a desvinculação entre políticos e partidos fragilizou as legendas. “Tem a ver com as duas coisas: o partido e as lideranças. Havia um casamento entre siglas, que tinham o respeito do eleitorado, e as lideranças. Logo, quando essa vinculação acaba, os partidos ficam mais desorientados, porque as lideranças podem ir para outros partidos, em outras circunstâncias, para outras disputas etc. Então, os partidos ficam naturalmente mais fragilizados.”
‘O MDB tem que se repensar’
Em entrevista à Tribuna, o presidente do diretório municipal do MDB, Paulo Gutierrez, destaca a necessidade de o MDB fazer uma autoavaliação, bem como reestruturar os próprios quadros em busca de abrir espaço para novas lideranças, e, consequentemente, novas candidaturas para as eleições municipais de 2024. Entretanto, Gutierrez pondera que o processo de reestruturação é lento, uma vez que há a necessidade de esperar o resultado das urnas para estabelecer novas diretrizes do MDB em Juiz de Fora. Tais diretrizes, contudo, não seriam as apontadas pela “aliança circunstancial” com Sheila, de acordo com Gutierrez.
Questionado se a renúncia de Bruno Siqueira ao mandato do Executivo municipal não desgastou a imagem do MDB diante do eleitorado, Gutierrez pontua que, na verdade, a intenção do ex-prefeito era buscar o Senado. “O Bruno deixou a Prefeitura para ser senador. O sinal estava aberto. Ele estava dando um passo maior, mas, como houve uma reviravolta no MDB estadual, foram definidas novas diretrizes de cima para baixo. Tudo isso afeta os municípios. (…) Se ele tivesse continuado na Prefeitura, a história poderia ter sido diferente. Tudo isso que aconteceu no MDB estadual em 2018 reflete agora, não só aqui em Juiz de Fora, mas no estado inteiro.”
Em 2018, o então presidente do diretório estadual do MDB, Antônio Andrade, fora destituído em meio às eleições gerais, dando lugar provisoriamente ao deputado federal Saraiva Felipe. Entretanto, desde junho de 2019, o presidente estadual da legenda é o deputado federal Newton Cardoso Jr.
Conforme Gutierrez, além de dificuldades para viabilizar a candidatura majoritária, o MDB enfrentou problemas para montar a chapa de dez candidatos a uma cadeira na Câmara Municipal de Juiz de Fora – o máximo permitido, por exemplo, era 29. “Perdemos, de última hora, quatro vereadores (Ana Rossignoli, Antônio Aguiar, Kennedy Ribeiro e Marlon Siqueira) e oito suplentes. Depois, conseguimos montar uma chapa com 19 candidatos, mas duas mulheres desistiram e tivemos que tirar outros sete candidatos (por conta da cota de, no mínimo, 30% de candidatas mulheres), então sobraram dez. É um fato muito novo para a gente. Tanto o PSDB quanto o MDB têm que repensar. Surgiram novos partidos com outras visões, outras lideranças, e vamos saber o saldo disso tudo apenas quando terminar estas eleições.”
Presidente do PSDB em JF explica ausência de candidato à PJF nestas eleições
O presidente do diretório municipal do PSDB, Lucio Sá Fortes, por sua vez, justifica a ausência de um candidato majoritário ao tempo curto do partido após a renúncia de Almas em agosto à candidatura para a reeleição. Questionado sobre o desgaste de quadros tucanos locais, Lucio enaltece o próprio Antônio Almas, o ex-deputado Marcus Pestana – que, inclusive, rejeitou o convite da legenda para ser candidato à PJF -, e, ainda, o ex-vereador José Laerte, mas admite eventual ruptura do eleitorado com o partido, embora a considere injusta.
Conforme Lucio, há “uma certa superficialidade” no debate político do país, que, no seu entendimento, está raso. “Pode até existir um desgaste (com os quadros do PSDB), mas o considero, honestamente, injusto. Tenho até dificuldade de lidar com isso, de pensar academicamente sobre, porque me parece uma contradição. Às vezes, o eleitor quer apenas mudar por mudar; não é uma coisa objetiva. (…) Deveríamos olhar para os partidos e ver quais foram as contribuições que eles deram em vários âmbitos na história. Está tudo nivelado muito por baixo. O debate está ruim. Quando tentamos fazer um debate um pouco melhor, talvez a população não entenda porque não conseguimos chegar até o eleitorado.”
De acordo com Lucio, o economista Rodrigo Gherardi aponta para uma renovação do partido na esfera municipal, processo que considera natural a cada ciclo eleitoral posto. “A renovação é um desafio para todos. O PSDB está na disputa pela PJF. Indicamos o vice na chapa da Ione. Identificamos muita sinergia entre nós e Ione. Foi uma conversa muito segura. Caso ela seja eleita, a deixaremos à vontade para aproveitar quantos quadros do PSDB ela quiser na Administração. (…) O nosso candidato a vice, Rodrigo, já simboliza esta direção (de renovação) do partido, um quadro jovem, de apenas 33 anos, economista. Eu confio que ele terá uma estatura muito maior após o processo eleitoral.”