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Marcelo Van Gasse passou por treinamento da Fifa sobre árbitro de vídeo

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Poucos profissionais no mundo possuem a propriedade para falar da utilização do VAR (video assistant referee, em inglês, ou árbitro assistente de vídeo, em tradução livre) como o árbitro auxiliar da Fifa, Marcelo Van Gasse, 42 anos. Formado na UFJF e radicado em Juiz de Fora, ele foi escalado pela segunda vez consecutiva para trabalhar em uma Copa do Mundo e participou de treinamento para árbitro de vídeo da entidade máxima do futebol mundial no final de abril, na Itália, e compartilhou parte do conhecimento à Tribuna durante encontro no campo da Faculdade de Educação Física e Desportos (Faefid) da Federal, onde ele treina.

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Além de esclarecer dúvidas sobre a utilização do VAR na Copa da Rússia, Van Gasse separou pouco mais de uma hora e deixou de lado uma rara manhã com sua família para contar à Tribuna a emoção de novamente representar o Brasil ao lado do árbitro Sandro Meira Ricci e do auxiliar Emerson de Carvalho, no trio que também apitou a Copa no Brasil, em 2014, e do árbitro de vídeo Wilton Pereira Sampaio. O árbitro segue para a Rússia no dia 2 de junho. Confira abaixo a entrevista exclusiva.

(Foto: Leonardo Costa)

Tribuna de Minas – Você esteve na Itália para treinamento de árbitro de vídeo. Como foi?
Van Gasse – Tivemos um treinamento nos Emirados Árabes no ano passado e agora na Itália só de árbitro de vídeo. Ficamos dez dias em cada local massificando o assunto para que na Copa do Mundo a gente não seja pego de surpresa. Vou para a Copa no dia 2 de junho e fico praticamente 12 dias trabalhando em cima do VAR, para afinar toda essa situação e evitar as polêmicas. Tem tudo para dar certo.

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– Em que situações o árbitro de vídeo poderá ser usado?
– São quatro situações: lances de pênalti, de cartão vermelho, identificação de jogadores – no caso de aplicar uma punição a quem não participou do lance, o árbitro de vídeo corrige, e nos lances de gol. Tudo o que acontece antes do lance do gol é verificado. Por exemplo, em uma jogada progressiva, o cara tomou a posse de bola com uma falta e o árbitro não deu. Na sequência, tocaram, tocaram e saiu o gol. Tudo isso volta atrás porque vão revisar o que aconteceu até a bola parar. Se ela parar, morreu o lance. Se o outro time retomou a posse de bola, também. O VAR, que também é um árbitro, é obrigado a falar com o árbitro central se ver a irregularidade no lance.

“E que o melhor sempre vença. Só queremos legitimar resultado. Saio de casa para isso. E quanto mais estrutura tivermos para fazer isso, melhor”

“Com o tempo, a torcida vai entender que o árbitro é um ser humano e as imagens vêm para ajudar a gente. A tecnologia faz parte do mundo do futebol e acho que o árbitro de vídeo chega na hora certa”

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– Se um escanteio é marcado incorretamente, o jogador bate e sai o gol, o lance volta?
– Qualquer jogada além das quatro situações citadas, deixa rolar. Lateral para a equipe errada, escanteio errado. Se bateu um tiro de canto assim e saiu o gol, não volta atrás. Pode ter polêmica, mas é uma coisa nova e, até chegar ao ápice, leva tempo, trabalho. O aprimoramento é importante. E a Fifa já trabalha há tempos com isso, mas agora é em uma competição de visibilidade mundial. A gente reza para que não aconteça nada porque estamos trabalhando por isso. Os grandes erros de antigamente não teremos mais.

– O VAR será acionado em algum lance interpretativo?
– Nunca. Na hora do pênalti, por exemplo, existem lances que são de interpretação. Nesses casos o VAR não entra. Ele não trabalha em lances de interpretação. Porque vai chegar no vídeo e cada um pode ter uma opinião. Mas se em uma jogada a bola sai na linha de fundo, nada é apitado e ocorre o pênalti em seguida, o lance é revisado. Não se pode deixar passar um lance como esse.

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(Foto: Leonardo Costa)

– Neste caso o VAR então não iria opinar no lance de pênalti da final do Paulistão desse ano, entre Palmeiras e Corinthians, certo?
– O VAR não entra naquele lance, porque é de interpretação. Muitos falam que foi pênalti, outros tantos dizem que não houve. É um lance interpretativo, e a decisão fica com o árbitro central. Mas um gol de mão, como o do Maradona (na Copa do Mundo de 1986), não vai acontecer porque o VAR entra na hora e o árbitro anula o gol. Uma mão na origem da jogada que termina em um gol é revisada também e o tento é anulado.

– Quem irá compor a equipe de vídeo-arbitragem e onde os profissionais irão ficar?
– Será um árbitro de vídeo, que é chamado de VAR, e mais três assistentes dele, ou seja, são quatro árbitros no trabalho com vários monitores. São inúmeras câmeras. Eles vão pedindo diferentes ângulos da imagem para que, caso o árbitro central for ver o monitor no campo, tenha a melhor imagem e tome a decisão. Os árbitros ficam em uma cabine fora do estádio com todos os monitores, sem acesso algum ao campo. O único acesso ao VAR é por meio de comunicação entre os árbitros, pelo microfone. E as imagens que ele vê são as mesmas da televisão. Na verdade, o árbitro central irá escolher a imagem como ele quer ver. Não tem risco de a imagem não ser pública e, inclusive, todas as seleções podem, depois do jogo, pedir a comunicação dos árbitros no jogo. E a palavra final é sempre do árbitro central.

– Quantas câmeras devem te auxiliar na marcação de impedimentos?
– Serão quatro câmeras em cada lado do campo para as jogadas de impedimento. Logo, são oito câmeras apenas para jogadas que envolvem impedimento, tudo para não haver equívocos. Tenho certeza que de impedimento não teremos nada, porque o editor vai passar a linha (reta posicionada no penúltimo defensor), além daquela ‘parede’ digital (para diferenciar a área ocupada pelo atacante e pelo penúltimo defensor).

‘Os grandes erros de antigamente não teremos mais’

– Há alguma recomendação especial da Fifa na sua função?
– No meu caso, em lances de impedimento, ou o jogador está em posição irregular ou não está. Então, pelo investimento feito, não usar a imagem é andar para trás. O que tenho de recomendação é que em lances curtos, que me gerem dúvida, deixo seguir para que, se sair gol, pedimos auxílio do VAR. A Fifa recomenda que eu deixe a jogada seguir e depois levante a bandeira. Aí não mato o lance. A imagem não vai falhar, então não vou perder esse recurso que tanto esperamos.

– O número de paralisações pode retardar muito o andamento da partida?
– O VAR não quer tirar o dinamismo do jogo. O que se pensa é usar de 30 a 40 segundos para as decisões de cada lance. Isso é o principal, porque o jogo não pode durar três horas. A Fifa vem treinando há dois, três anos o árbitro de vídeo. Começou no Mundial de Clubes do Japão, em 2016, e a partir dali a entidade usou em mundiais de base e de clubes também, como na semifinal do ano passado entre Real Madrid e Al-Jazira, em que eu trabalhei. Nossa equipe de arbitragem utilizou duas vezes o árbitro de vídeo, que auxiliou rapidamente e não atrapalhou o andamento do jogo. E não houve confusão com a arbitragem, até porque são coisas claras, com a imagem. E que o melhor sempre vença. Só queremos legitimar resultado. Saio de casa para isso. E quanto mais estrutura tivermos para fazer isso, melhor.

– Acredita que o VAR diminua o comportamento hostil do torcedor?
– O árbitro, quando vai tomar uma decisão, quer sempre acertar. Mas ele não tem as imagens da televisão. E às vezes o jogador vai reclamar, aí dá problema no jogo. Se o árbitro está bem em 89 minutos do jogo e comete um equívoco no fim, e a televisão mostra, ele é o culpado de tudo. Mas acho que, com o tempo, a torcida vai entender que o árbitro é um ser humano e as imagens vêm para ajudar a gente. A tecnologia faz parte do mundo do futebol e acho que o árbitro de vídeo chega na hora certa.

Gratidão à UFJF

Olhar para a arquibancada da UFJF após uma manhã com a esposa e os filhos não são sensações rotineiras na vida de Van Gasse por conta da demanda profissional. Também por isso, a valorização de cada momento é sempre destacada pelo árbitro, que antes de viajar para a Rússia, no próximo dia 2 de junho, lembrou cada obstáculo superado desde a época de estudante universitário.

“Fui formado aqui no ano de 2000 e sinto uma alegria muito grande. A Universidade me permite usar a pista de atletismo até hoje para meus treinos, com uma estrutura que poucos árbitros têm no Brasil. Alguém da UFJF me alertou para fazer o curso de arbitragem. Na época da minha faculdade andava de ônibus sete horas para assistir cursos em São Paulo, e depois mais sete para voltar. Meu sonho era fazer um jogo do Campeonato Paulista, na Federação que escolhi. O mais importante é você conseguir subir degrau a degrau e se sustentar. E é a primeira vez que um árbitro assistente do Brasil vai a duas Copas. Tenho esse privilégio. Isso é o suprassumo do suprassumo. Olho tudo aqui e lembro do que passei. Cansei de bandeirar no antigo Lacet (campo que existia no terreno em frente ao Independência Shopping) no início. Investi na minha carreira e sou profissional por minha conta. A arbitragem no Brasil ainda não é, mas eu sou porque escolhi fazer isso e da melhor forma. Moro em Juiz de Fora há 20 anos e a cidade me abraçou. Sei que se não fosse a UFJF eu não seria árbitro de futebol. Deu certo para mim. Que as pessoas acreditem em seus sonhos e saibam que não é de uma hora para a outra. Não foi comigo, sempre tive os pés no chão e o apoio da minha família”, relembra.

“Não chegamos a lugar nenhum sem a família”

 

Van Gasse com a esposa Eliane e os filhos Pedro Henrique, 17 anos, e João Pedro, 9 (Arquivo pessoal)

Van Gasse passa semanas e semanas longe das pessoas que mais ama. As dificuldades, desconhecidas dos torcedores, geralmente hostis, foram expostas pelo árbitro ao declarar seu amor pelos familiares. “Não chegamos a lugar nenhum sem a família, e vim crescendo com ela. Hoje tenho dois filhos, o Pedro Henrique (17 anos) e o João Pedro (9), e falo que a Copa é mais da minha esposa, Eliane, do que minha. A estrutura que ela me dá… não tenho finais de semana, às vezes fico 15 dias fora, e se você não tem uma base familiar boa não trabalha direito. E essa segunda Copa é para minha esposa, espetacular. Me assistiu na primeira, no Brasil, em um jogo entre Alemanha e Gana, e quando vi a família me deu uma força muito grande. É inesquecível. Até hoje meu filho fala da experiência.”

A Tribuna entrou em contato com a esposa de Marcelo, Eliana Van Gasse, 49 anos, professora de português. “É muito difícil, mas bom porque você vê a pessoa que ama realizando seu sonho, fazendo o que ama. Às vezes optamos pela questão financeira, mas ele faz por amor à profissão. É uma pessoa maravilhosa, idônea e super voltada para a família, além de fazer um trabalho impecável em campo. E tento dar força para ele, fazer com que prossiga com tranquilidade, cuidar de tudo para não tirar o seu foco. Tenho que entender as renúncias que precisamos fazer. Não temos uma vida social, não planejamos viagens, dependemos de escalas. Ficamos sem encontrar em dias das mães, dos pais, aniversários… talvez tenha passado dois aniversários meus com ele apenas. Tenho que entender que é o momento e pensar a longo prazo”, conta Eliane, casada com Van Gasse há 11 anos.

 

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