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Professor transplantado é campeão dos Jogos Brasileiros

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Professor de educação física e esportista nato, Dilson Borges viu a vida mudar após um transplante de coração (Foto: arquivo pessoal)

Dilson Borges, de 43 anos, é natural de Três Rios (RJ). Quando pequeno, sofria com bronquite e, por isso, foi indicado a prática da natação. Pelo sonho do pai, jogou futebol até os 12 anos. Fez ginástica olímpica, andou de bicicleta. Descobriu no basquete a sua modalidade esportiva de paixão. Na escola, jogava handebol e vôlei. Sempre teve o esporte na sua vida. Por esse motivo, escolheu cursar Educação Física na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Se formou, fez doutorado em Portugal e, a um passo de realizar seu sonho profissional, teve o primeiro indício de uma realidade que seria dura, mas que permitiria autoconhecimento, superação e a possibilidade de inspirar muitas pessoas.

Durante sua graduação na UFJF, Dilson participava de todos os projetos esportivos que podia. “O esporte sempre favoreceu minha inserção social. No meu segundo dia, já fui no treino do Basquetebol do Futuro, um projeto que acontecia no Olímpico em 1997. Depois, fui ser treinador, ajudar nas escolinhas. Me dediquei muito, tinha uma condição socioeconômica desprivilegiada na época. Toda oportunidade que tinha como apitar jogos e dar treinos eu me envolvia. Sempre estudei muito e sonhava em ser professor universitário. Consegui ainda uma bolsa de estudos em Portugal, fiquei lá seis meses durante a graduação. Abriu muito meus horizontes. A carreira profissional foi uma oportunidade de ascender socialmente. Sempre fiz a vida pautada em sonhos e objetivos”, relembra. Depois de concluir a graduação, Dilson retornou para Portugal e fez mestrado.

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Após o fim do mestrado, em 2006, Dilson voltou para Juiz de Fora em busca de ministrar aulas. Mas durante o exame admissional para professor substituto da UFJF, o médico pediu para que o atleta procurasse um cardiologista. Ele atendeu o pedido e recebeu a notícia que possua arritmia, mesmo que estivesse assintomático e pudesse viver normalmente até 2010. Nesse ano, durante uma atividade profissional intensa, em Portugal, Dilson começou a se sentir mal e ter tonteiras.

“Procurei o médico que refez todos os exames de 2006. No cateterismo, foi constatado que tive uma parada cardíaca. Após esse episódio, fui diagnosticado como risco de morte súbita”, recorda. “Surgiu a necessidade de usar medicamentos para manter o coração em um ritmo estável. Houve a indicação de um aparelho parecido com um marca-passo, um desfibrilador que fica dentro do peito. Comecei a usar desde 2011, e tinha uma vida normal. Mas, nesse período, tive muito estresse. Quando chegou em 2013, comecei a me sentir muito cansado. Fui ao médico, e foi diagnosticado que eu tinha algumas fibroses no meu coração. Fui diagnosticado uma insuficiência cardíaca”, explica Dilson.

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Quem acompanhou todo o processo, e ajudou Dilson no tratamento, foi o Doutor Paulo Tostes. “Em um primeiro momento parecia um caso simples e de fácil resolução, de arritmia e antecedente de miocardite já resolvida, tendo sido iniciado tratamento medicamentoso. Entretanto, a medida que o tempo passava, os sintomas foram se acentuando e os exames para acompanhamento progressivamente apresentavam piora. Tratava-se então de um diagnóstico mais importante e com potencial gravidade. Após um período de estabilidade, evoluiu com novos sintomas que levaram a reavaliação e estratificação de risco para morte súbita cardíaca. Após exames, concluiu por caso de alto risco para morte súbita arritmogênica sendo indicado implante de cardiodesfibrilador interno para prevenção, realizado em 2011, tendo recebido várias terapias de ressuscitação do dispositivo”, explica o doutor.

A partir desse momento, Dilson precisou diminuir o ritmo das atividades físicas que tanto lhe encantavam, ao mesmo tempo em que conseguiu passar no concurso da UFJF para o campus de Governador Valadares e consequentemente realizar seu maior objetivo profissional, que era dar aula. “Mas comecei a me sentir muito mal na cidade e retornei a Juiz de Fora. Todas as estratégias para melhorar a insuficiência cardíaca não melhoravam”, lembra o mestre em educação física.

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Decisão do transplante cardíaco

Com a piora das funções cardíacas, a equipe médica de Dilson viu a necessidade de buscar um transplante, aos 36 anos (Foto: arquivo pessoal)

A progressão da insuficiência cardíaca foi enorme em pouco tempo. “Optou-se por indicar a troca do cardiodesfibrilador por um dispositivo com maior tecnologia, um cardiodesfibrilador multissítio, capaz de entregar as funções do Cardioversos/Desfribilador (CDI) e ressincronizar o coração para o tratamento. Essa troca, realizado em 2015, teve um resultado excelente inicialmente, até uma descompensação refratária apesar do tratamento otimizado e com aderência rigorosa. A partir de então a doença evoluiu de forma rápida, progressiva, catastrófica levando a internações frequentes para compensação até outubro de 2015. Depois, não se obteve mais compensação e ele passou a ficar dependente de drogas vasoativas para manter a vida”, conta Paulo.

Depois de todas as tentativas sem sucesso, a solução foi realizar o transplante cardíaco. “Neste momento não havia outra alternativa. O Dilson aceitou a indicação com serenidade, confiança e fé que daria certo”, conta o médico. “Solicitamos vaga em Belo Horizonte e São Paulo, mas após dias de espera, não tivemos êxito. Começamos um trabalho de ligar para colegas e pedir ajuda. Através do Doutor Rodrigo, que na época fazia especialização no Canadá, conseguimos contato com uma colega de residência do Incor que se empenhou e conseguiu uma vaga nesta instituição.

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O Dilson foi transferido e, quando parecia próximo o transplante, veio uma nova dificuldade: o porte físico, que dificultava a doação de um órgão compatível em tamanho. Mas ele era merecedor dessa segunda oportunidade de vida e após meses de internação em UTI aguardando, em uso de drogas vasoativas, um órgão compatível foi doado”, explica Paulo.

A sensação de quando recebeu a notícia que conseguiria o transplante, segundo Dilson, foi de “parecer que estava no céu”. “Sou O positivo, não é um sangue muito comum. Pela minha altura, tinha que haver adequação de tamanho. Fiquei cinco meses na UTI aguardando um doador. Minha família se dividia, foi muito longo e difícil. Havia a dúvida do que ia acontecer, da aceitação. Foi um período de autoconhecimento também. No dia 11 de março de 2016 apareceu um doador compatível. Lembro de ver vários jalecos branco entrando. Quando há um possível doador, o coração consegue ficar fora do corpo para chegar ao centro de transplante em até quatro horas. O médico da equipe foi até o local onde estava o doador, e fez a cirurgia para ver como estava o coração in loco para poder transplantar. Passei esse dia na espera, e o coração de um homem de 33 anos chegou”, conta Dilson, com 36 anos na época.

Logo após do transplante, Dilson voltou a praticar esportes. Entre eles o triathlon (Foto: arquivo pessoal)

Mesmo poucos meses após a operação, Dilson já retornou para as atividades físicas. “Depois do transplante, há um período de cuidado. Precisava usar várias medicações para aumentar a aceitação do órgão. Até ajustar as medicações, durante três meses, tive uma rejeição do órgão. Mas depois deu tudo certo e voltei a Juiz de Fora para 2016. A vida foi retomada aos poucos, apesar da limitação. Sempre achei a atividade física importante, então me mantive ativo, caminhando. Buscava informações com outros transplantados. E eles faziam exercícios, participavam de competições. O transplante é para fazer você viver normal e não ficar vitimado. Fui aumentando gradualmente o nível de atividade física e sempre querendo mais”, declara o professor.

Para o doutor Paulo, Dilson honra o órgão recebido desde o primeiro minuto até os dias atuais. “Ele faz jus a cada batida desse coração doado, sou testemunha desse mérito e tenho muito orgulho de fazer parte dos inúmeros profissionais que participaram com ele dessa batalha e dessa vitória” declara o médico.

Dilson quer inspirar outras pessoas

Menos de um ano depois do transplante, Dilson voltou a lecionar, desta vez no campus de Juiz de Fora, onde trabalha até hoje e coordena três projetos de extensão sobre basquetebol e formação de treinadores. Voltou, também, com a prática de esportes. “Comecei a pedalar em 2020, e o Mountain Bike passou a ser uma atividade regular na minha vida. Quando a pandemia foi melhorando, jogava basquete com meus amigos. Retornei a nadar também”. Já neste ano, em setembro, Dilson disputou o Jogos Brasileiros de Transplantados, quando se sagrou campeão.

“Me dediquei durante três meses para disputar triathlon contra mais de 80 pessoas transplantadas. Foi por categoria etária, e além do triathlon, disputei natação na prova dos 50 metros peito. Na soma das pontuações, fiquei em primeiro. Mostrei para a minha família e todos que me apoiaram que valeu a pena. Podemos ver de fato que o transplante é restaurador da vida”, se orgulha Dilson, que pretende participar de mais competições nacionais e internacionais.

Dilson também voltou a praticar natação e já participou, inclusive, de competições na modalidade 50 metros peito (Foto: arquivo pessoal)

Para ele, sua principal missão está sendo realizada. “Quero utilizar minha história para ajudar a causa, estimular mais pessoas a saberem sobre a doação de órgãos. Sempre carregando a mensagem de superação. Utilizo minhas redes sociais para isso, pretendo inspirar outras pessoas transplantadas a praticarem os esportes”, busca Dilson.

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