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Toninho Buda: o homem que já correu 100 mil quilômetros

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Das sociedades alternativas, Antônio Walter Sena Júnior, o popular Toninho Buda, 69 anos, leva no coração a companhia de Raul Seixas, as terapias e influências para toda a vida. Alternativa não é, contudo, a verdade exposta em cada palavra ou passos do engenheiro civil, educador físico e atleta. É intrínseca. Assim como em entrevista à Tribuna, a intensidade e a transparência de Toninho Buda o fazem, dia após dia, crescer. E certamente impulsionaram o maratonista a registrar, em 25 de fevereiro deste ano, na UFJF, a significativa marca de 100 mil quilômetros corridos desde 1985.

(Foto: Marcelo Ribeiro)

“A emoção é a gratidão por tudo, sempre. Por ter encontrado primeiro a macrobiótica, por volta de 1976, e depois a corrida de rua. Corro desde 1985, já vou fazer 70 anos. A Linha do Equador tem pouco mais de 40 mil km, então são duas voltas e meia na Terra. E dá uma média de 8km por dia. Mas no final de tudo, gratidão, porque consegui recuperar a saúde e continuo mantendo com a ajuda de muitas pessoas e instituições”, conta Toninho, que escolheu a UFJF para atingir a distância por se sentir em casa, após 22 anos de estudos com graduações, pós-graduações e especializações no local de ensino.

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“A emoção é a gratidão por tudo, sempre. Corro desde 1985, já vou fazer 70 anos. A Linha do Equador tem pouco mais de 40 mil km, então são duas voltas e meia na Terra”

Ao todo, Toninho Buda participou de 17 maratonas e 34 meia-maratonas, além de centenas de corridas. Cada quilômetro superado foi religiosamente documentado. “Sempre anotei tudo e guardei em caixas, tenho umas 200 de documentos e etc. Minhas primeiras anotações de corrida foram em um calendário, em setembro de 1985. Não sabia aonde ia dar aquilo, mas todos os dias anotava quantos quilômetros eu corria, em quanto tempo e em que hora do dia foi. Do calendário passei para uma coisa um pouco mais organizada. Peguei uma folha grande, em 1986, e segui anotando. Colocava a soma mensal e anual. Aí fiz um padrão. Tenho mais de cem folhas de anotações. Quando passo mal do fígado, tenho enjoo, problema de dente… fui acompanhando, anotando, até chegar nos 100 mil km”, explica.

Planilha organizada pelo corredor mostra detalhes de seus treinamentos e das provas que participou (Reprodução Leonardo Costa)

‘Pô, Toninho, valeu a pena’

“Os 100 mil km significam uma marca, referência. Tem um camarada, um controvertido mago inglês, Mr. (Aleister) Crowley, que disse que ‘sucesso é a tua prova’. Muitas vezes você acha que não gosta do seu emprego, a sua família é cheia de problemas, mas se você cuida de si… se esforça, mas parece que tudo dá errado, que nada vai para frente. De repente você começa a observar alguns sinais. Quase todos os meus amigos de infância, por exemplo, já morreram. E você começa a observar que a morte bate cada vez mais perto. É um texto que escrevi quando meu pai morreu. Vou fazer 70 anos e como estou? Saio na rua e ainda consigo correr 10km, 20km. Vou voltar a correr os meus 20 e tantos e uma maratona. É isso. Sucesso é a tua prova. Mas esse sucesso não é ganhar uma medalha de super-homem. É você observar no dia a dia que está resistindo. Que realiza suas coisas com dificuldades, mas que está vivo. Não chegou ainda à grande derrota final. Todos nós somos condenados à morte. Acho que a forma de morrer é que vai dizer como você viveu a vida. Acredito nisso e aprendi com o (Tomio) Kikushi, da macrobiótica. Uma parte é genética. Mas o principal, e acredito nisso, vivi 22 anos na Universidade, o conhecimento pode mudar muita coisa, definir seu destino de uma forma muito diferente. E nem tinha observado esse número, mas quando vi estava chegando a 100 mil. Que legal, que número bonito. É uma marca, algo que fala ‘pô, Toninho, valeu a pena’.”

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Viva, viva! Viva sociedade alternativa!

Toninho Buda com amigos em corrida na UFJF antes de completar a marca de 100 mil km(Foto: Marcelo Ribeiro)

Antes de assíduo corredor, Toninho conheceu as sociedades alternativas. Conviveu com Raul Seixas, ídolo pessoal e nacional. Áreas distintas em relação ao esporte, sim. Mas no centro de tudo, uma única linha de chegada: a saúde. “De uma certa forma, minha convivência com Raul Seixas teve relação com o início nas corridas. As pessoas entravam nas sociedades alternativas normalmente por sexo, drogas e rock’n roll. E eu não. Entrei pela porta dos fundos, porque tinha uma saúde muito ruim e fui procurar as terapias alternativas. Sempre me preocupei muito com alimentação, a medicina alternativa. E com isso conheci, também, o outro lado das sociedades alternativas, em que o Raul Seixas era o grande líder. Me aproximei dele, o trouxemos em Juiz de Fora em 1983, no 1º Festival de Rock. Paulo Coelho também conheci em 1981. Tivemos uma convivência considerável nos anos 1980. Até que o Raul morreu em 1989, uma dor muito grande para mim, mas continuo até hoje nesse processo, mesmo com a Educação Física. Minha influência é muito grande nesse lado alternativo, sempre”, relembra.

Nessa época, uma fala do pai o tocou. O fez refletir. E sua vida mudou. “Sempre tive problemas digestivos graves. Nos anos 1970 eu almoçava meio-dia e vomitava às 19h sem fazer digestão. Era horrível. E isso acabou. Até hoje tenho problemas de dentes. Bebida nunca pude. Droga nenhuma, aliás acho que isso me salvou. Levei um susto que um amigo, Calegário, que trabalhou comigo nos anos 1970, faleceu com 63 anos de idade. Vou fazer 70, meu pai morreu com 62 anos. Ele implicava comigo quando comecei a fazer macrobiótica, dizia que eu estava anêmico. Anêmico é alguma coisa muito fraca. E resolvi procurar a corrida de rua justamente por isso. Se eu estou anêmico, o que é um esporte pesado? Aí me disseram da corrida. E assim comecei em 1985. Dois anos depois já fui fazer a Maratona do Rio e, em seguida, a de Vitória.”

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2h59min42s: uma marca para ser lembrada

A medalha da Maratona de São Paulo tem um gostinho especial (Foto: Fernando Priamo)

Como maratonista, Toninho Buda compartilhava dois sonhos comuns entre os corredores de provas de 42km. E o atleta exalta a honra de poder ter conquistado ambos. “Um é correr a Maratona de Nova York. Consegui em 2004, em 3h18min30s, a maior maratona do mundo na época. Com 34 mil pessoas em um país distante. Foi maravilhoso. O outro é fazer uma maratona abaixo de 3 horas”, relata.

Toninho completou a Maratona de São Paulo, em 2003, em 2h59min42s, aos 53 anos de idade, na que seria sua melhor performance da carreira. “Tive que sofrer demais. Aliás, agradeço a Viviany Anderson por ter batido o recorde porque treinava com ela. Ela estava tentando voltar à linha de ponta em 2003. E eu ia para Ewbanck da Câmara e vinha de lá, 35km a 4min10s por quilômetro. Isso que me deu condição de fazer uma maratona abaixo de 3 horas com 53 anos. Quero agradecer a Viviany. Essas pessoas, os grandes atletas, puxam a gente.”

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Outros dois episódios na vida de atleta de Toninho jamais serão esquecidos. “A primeira medalha na faixa etária, dia 26 de abril de 1987, na II Corrida da Inconfidência (8,9km), em Vitória (ES), de 10º lugar na categoria 35 a 39 anos. Eu nunca tinha ganhado medalha em coisa alguma na vida! E ao concluir minha primeira maratona, na Maratona Internacional do Rio de Janeiro, em 22 de agosto de 1987, em 3h11min56s.”

A coleção composta por mais de 300 medalhas de provas como as do Ranking juiz-forano, fica em segundo plano. “Uma vez uma senhora falou comigo: ‘Nossa, quantas medalhas você tem! Você devia fazer uma exposição disso!’. E eu disse que para mim não valia nada. Você precisa de estímulo externo. Mas não só isso. A parte mais importante não é a externa. É você cuidar da saúde, ter responsabilidade com você mesmo para cuidar da sua família, do trabalho e aguentar a vida que está cada vez mais difícil. Tem gente que vai correr parecendo um astronauta. Preocupa com a força do seu coração. Isso é o mais importante.”

Na linha de chegada na UFJF, emoção com amigos

No último dia 25 de fevereiro, Toninho Buda convidou um grupo de amigos para comemorar a marca de 100 mil quilômetros corridos (Foto: Marcelo Ribeiro)

Toninho chamou seleto grupo de amigos para presenciar um dos momentos mais importantes de sua história como atleta. Ao cruzar a faixa dos 100mil km, ele foi aplaudido por colegas da equipe SuperAmigos, UFJF e corrida. Um deles é o professor de atletismo Marcus Vinícius, 32 anos, amigo de classe de Toninho e companheiro fundador de equipe de atletismo da Faefid.

“Tenho muito a agradecer ao Toninho, entusiasta do esporte. Meu primeiro contato com o atletismo foi com ele, montando uma equipe em 2005, no primeiro semestre do curso de Educação Física. Isso mudou minha vida e o Toninho sempre me incentivou. É muito especial celebrar esses 100 mil km de um entusiasta do esporte e que vive ele com muito amor, dedicação e carinho. Tenho certeza de que com essa vitalidade que ele tem vai mudar a vida de muitas pessoas, igual mudou a minha”, ressalta Marquinhos.

Referência esportiva nacional, a professora de Educação Física e atleta Viviany Anderson, 49, também foi convocada. Ela foi uma das responsáveis pelo tempo inferior a 3 horas de Toninho na Maratona de São Paulo. “O Toninho começou a correr em 1985 e eu em 1987. Éramos amigos de corrida, amantes do atletismo. E em 2003, ele sabendo da minha experiência de corredora, pediu que eu passasse uma planilha de treinamento para correr a maratona porque tinha o sonho de fazer abaixo de 3 horas. Muito detalhista, engenheiro, acostumado com os números, eu disse que era um dos meus, porque sempre fui muito técnica nos treinos. E foi fácil treinar o Toninho. Corria ao lado dele. O acompanhei no mesmo quarto de hotel, porque não adianta só a parte física. A psicológica na maratona é mais importante. Fui dar segurança a ele e deu certo. É um excelente atleta e é fácil treinar pessoas assim, que confiam na treinadora”, relembra Viviany.

Desabafo e protesto contra o abandono do esporte

Foram muitas de medalhas conquistadas em 17 maratonas, 34 meia maratonas e centenas de provas de menor distância (Foto: Fernando Priamo)

Toninho acompanhou, também, a história da corrida juiz-forana nas últimas décadas. E não deixou de protestar, em desabafo pela esperança de dias melhores e maior valorização ao atletismo local.

“Para ganhar uma medalha no Ranking era barra pesada. Juiz de Fora é um celeiro de grandes corredores. Tem Geraldo de Assis, Viviany Anderson, o próprio Ronaldo da Costa começou aqui, e assim por diante. São muitos. Na minha faixa etária, por exemplo, vários corredores que estão entre os melhores do Brasil até hoje. E o Ranking também é muito respeitado no Brasil. Nos anos 1990 tinha cerca de 22 a 24 corridas por ano. Para ganhar uma medalha como a que eu consegui, você não podia faltar corrida. O nível, hoje, caiu muito. Uma das coisas que acho que prejudicou muito foi em 2010 quando tiraram a premiação de faixa etária. Isso desestimula muito. Faço esse protesto. Estou vendo que as corridas estão voltando com a premiação por faixa etária. É muito importante. A maioria dos corredores que ganham na faixa etária têm uma rotina de treino igual a de um atleta profissional. É gente que corre, e muito, todo dia. É uma rotina muito pesada e isso precisa ser reconhecido. Você abandonar o esporte, como o país está fazendo… encerraram o atletismo brasileiro, não tem patrocínio para o atletismo olímpico. O pessoal está no meio da rua com o chapéu na mão. Aliás não é só o atletismo. O vôlei, futebol, tudo. É um negócio pavoroso.”

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