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Sapo de fora: Pelo pão e pelo ópio

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Enrolada às costas do bêbado, a bandeira do Brasil; dançando consigo mesmo descoordenadamente em círculos, a mão direita, levemente erguida, envolve um copo americano meio cheio de cerveja. A esquerda, aponta para cima — cristão, irremediavelmente, nas quermesses. Todos os seus pouco mais de 180 centímetros estavam imersos em sua embriaguez. Socialmente, embebedou-se naquela manhã de inverno em 2002 em gratidão a Ronaldo Nazário de Lima, seu ópio durante 30 míseros dias e noites. Por vez ou outra, a memória ocorre-me quando traço a minha própria linha do tempo de Copas. À época, aos seis anos, descia a Rua Cabo Benedito Alves, no bairro Jardim Paraíso, em Três Corações, acompanhado por meus pais.

Tal efemeridade aparece-me como simbólica; sequência em precisa fotografia do laço estabelecido, a partir da década de 1930, entre uma parcela de brasileiros e o futebol; circo — dizem alguns —, pois de pão essa parcela já carece há algum tempo. Simbólica como a rua pintada. A de Gabriel Jesus, em 2014, no Jardim Peri, Zona Norte de São Paulo; as do Chapadão, do Bairro Dom Bosco, na Cidade Alta de Juiz de Fora. Marginalizados, os bairros, jardins e vilas expressam, genuinamente, o cordão identitário amarrado entre o futebol e a sociedade; talvez, por ser a única via de inclusão social a alguns, fortuitos ao não se depararem por aí com os genocídios dos quais ouvem falar.

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De Garrincha a Neymar, os jogadores brasileiros criam-se do improviso, da agilidade, da malícia, da criatividade; nascem nas bolas disputadas nas ruas e nos terrões. Improviso, agilidade, malícia e criatividade daqueles que levantam barracos em ínfimos metros quadrados na beira de morros. Aos desavisados, o futebol brasileiro só é arte porque os seus artistas são pretos; de canelas finas, pernas tortas e cinturas soltas. Do Diamante Negro ao Rei. Nas vizinhanças de lá, os sentidos da camisa da Seleção Brasileira inalteraram-se; pra lá dos morros, a brasa vai queimar. Sempre pra lá, já que o lucro das agremiações brasileiras é, hoje, o branqueamento das arquibancadas.

Assim como tem direito ao pão, o povo tem, também, ao ópio, já que a segregação é a realidade. Aos amigos neuroticamente coerentes, a contradição é constituinte. Ao bêbado de volumoso bigode — outrora meu tio —, que as manhãs deste inverno sejam tão embriagadas quanto às daquele. Em terras russas, a Copa não se encerrará na caligrafia misericordiosa de Dona Lúcia, quem chorou o 7 a 1 em carta à Luiz Felipe Scolari, mas nos cachimbos dos geraldinos, filhos das populares gerais dos Maracanãs e Mineirões de outrora.

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