Site icon Tribuna de Minas

Sapo de fora: Redenção de um perna de pau

PUBLICIDADE

Nunca fui bom de bola. Nasci um verdadeiro perna de pau. O que no Brasil é capaz de formar pessoas totalmente frustradas. Só quem passou por aulas de educação física sempre focadas no danado do futebol sabe o que é. Sempre quis ter essa habilidade. Morria secretamente de inveja dos outros moleques da minha rua, que sempre tiveram muito gosto e talento para o futebol. Eu não conseguia enganar ninguém, até quando pediam pra eu ficar no gol, função delegada aos pernas de pau e aos mais novos do grupo. Mesmo me esforçando muito, eu era ruim, não havia nada a ser feito quanto a isso. Até no videogame. Os vexames eram piores do que o famigerado sete a um para a Alemanha do último mundial. Passei a odiar o esporte desde cedo, não por ele, mas por minha total falta de talento para a coisa. Não aguentava nem ver pela TV, era uma tortura que todos fossem melhores, em um país que valoriza muito a aptidão para o futebol. Mas na Copa era diferente. Eu abria uma brecha. Era o Brasil, meu país entrava em campo.

Mas o que me animava nas Copas não eram os jogos, era a bagunça. Geralmente caiam durante as férias escolares. Com o dia livre, fazíamos um pedágio na rua, recolhíamos dinheiro para viabilizar os enfeites. Bandeirinhas, faixas e a pintura da rua, minha parte favorita. A primeira lembrança vívida que tenho desses momentos é da Copa de 1998. Muita gente vinha ajudar. O pica-pau francês era o mascote daquela edição, ele ficou por meses pintado na frente de casa, até se apagar por completo pelo constante movimento de veículos.

PUBLICIDADE

Até eu que nunca tive time algum, não acompanhava nada, me sentia muito entendido. Decorava algumas jogadas, fazia comentários e até xingava. A derrota de 98 foi dolorida. Todo mundo triste, e a rua, que na minha opinião estava linda, toda pintada e enfeitada, não combinava com aquele climão. Doeu. Doeu, mas passou. Outras vieram depois. Outros mascotes, outros pedágios, mas a festa era a mesma. Em 2002, a última Copa em que me envolvi, de fato, passei longe de qualquer comemoração. Derramado no sofá, com uma febre fortíssima e totalmente impedido de estar em um churrasco na casa do vizinho, onde todos estavam, só queria que tudo acabasse logo.

A última vez que me atrevi a chutar uma bola foi durante o interperíodos da faculdade. Se eu não jogasse, não haveria time. Com meu currículo cheio de péssimos momentos no futebol, no primeiro jogo, meu pai perguntou a meus companheiros de time se eles realmente me queriam na partida. Proteção de pai, coisa bonita de ver. Ele não queria que eu sofresse mais com a minha falta de habilidade.

PUBLICIDADE

Mas o objetivo do Malu 70 não era ser o melhor. Era incomodar. Era estar lá e fazer bagunça. Era zoar sem qualquer preocupação em ser taxado de pior, e se fosse, nos juntávamos para rir. Nossa preocupação era ser a mosca na sopa e ter orgulho disso. Achei meu lugar, minha redenção. O melhor campeonato do qual participei na vida, com os melhores jogadores. Naquele momento, o futebol me deu alguma coisa, depois de tantos anos de desprezo e esculhambação: uma lembrança que valia a pena preservar. Se a Copa é pão e circo, como as redes têm teimado tanto em discutir, o resultado não me interessa. O que me interessa é, exatamente, o que a TV não mostra: todas as grandes vivências que construímos fora das quatro linhas.

PUBLICIDADE
Exit mobile version