80 anos de Interlagos: juiz-foranos relembram histórias no autódromo

Fotógrafo João Schubert, mecânico e jornalista Dudu Mazzei e piloto Rodrigo Pompeiano conhecem, de perto, o principal palco brasileiro de automobilismo


Por Bruno Kaehler

12/05/2020 às 07h00

Fotógrafo João Schubert em registro de 2018 no Autódromo de Interlagos (Foto: João Schubert)

De amizades com alguns dos principais nomes do automobilismo nacional a ingressos esquecidos em casa, noite na fila e até mesmo a chance de correr pelo lendário S do Senna e acelerar na reta dos boxes. O Autódromo José Carlos Pace, mais conhecido como Interlagos, inaugurado em 12 de maio de 1940, completa 80 anos com diferentes e inesquecíveis recordações de amantes locais do automobilismo.

E certamente poucos na região conhecem e cultuam tanto os 4.309 metros de extensão da pista paulista do GP do Brasil de Fórmula 1 como o repórter fotográfico João Schubert, 42 anos. Desde 1995, quando foi pela primeira vez em Interlagos, ele não perdeu mais a prova na mais popular modalidade de automobilismo do mundo.

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“É uma emoção absurda presenciar aquilo que por mais de dez anos você só assistia na televisão, apesar de já não ter o Senna – eu sou sennista. Mas, mesmo assim, lembro que no sábado choveu pra caramba e fui despreparado, sem conhecimento nenhum, quase congelei de frio”, recorda Schubert, que já passou pelas mais diferentes situações em quase três décadas de idas à pista.

“Dormir na fila é uma coisa comum para todo mundo que ia, dependendo do setor que você está. Passar a noite na fila, dormindo, realmente deitado na rua, na calçada, ou fazendo churrasco. Isso era muito comum nos tempos de Barrichello. E tem gente que ainda faz”, lembra Schubert. “Ano passado esqueci os ingressos em JF. Falei com um amigo meu que estava vindo, meu vizinho, para colocar uma escada – geralmente deixo a janela do banheiro aberta -, e se não estivesse aberta, que arrombasse. Porque o prejuízo seria de pelo menos R$ 3 mil. Não ficaria sem entrar. Mas deu tudo certo.”

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Registros de João Schubert em suas coberturas do GP do Brasil em Interlagos

Amizade com Rubinho e Ingo Hoffmann

O técnico em mecânica, consultor automotivo e jornalista Dudu Mazzei conheceu o autódromo antes mesmo da reforma de 1990 que reduziu a pista que possuía quase 8km de extensão. “Minha primeira vez foi no final da década de 1980, acho que em 1988. Fui assistir as Mil Milhas de Interlagos com alguns amigos. Era uma prova longa, de 12 horas, e, na época, os carros largavam meia-noite e a corrida só terminava às 12h, sem parar. Era muito bacana aquela quantidade de carros, mais de 40, 50. Na época a largada era estilo Le Mans, em que os carros ficavam na diagonal, em um lado da pista, e os pilotos do outro. Na hora saíam correndo, já de capacete, entravam no carro, colocavam o cinto e davam partida no carro. Era muito emocionante, mas perigoso também”, conta, lembrando da pista antes das obras.

“Esse traçado antigo, que ainda deixa saudade em muita gente, era extremamente seletivo. Você subia o Café para chegar na reta principal e, onde hoje é o S do Senna, começava uma curva de alta, descendo, era um mergulho. O carro tinha que ter uma relação de marchas e um motor muito bom para subir e, depois, poder aproveitar a descida melhor”, explica Mazzei.

Entre as dezenas de histórias vivenciadas pelo juiz-forano em Interlagos, algumas deixaram amizades que ele levou para a vida. E tem, no primeiro encontro, o registro em foto. “Com o Zé Carlinhos, daqui de JF, um amigo de 40 anos e apaixonado pelo automobilismo, estávamos atrás do Rubinho (Barrichello) ou do Ingo (Hoffmann) para pegar um autógrafo. E na hora da foto os dois estavam juntos. E o Bolinha, um piloto que corria na época pela equipe Texaco Petrópolis. Demos de cara com os três juntos e ali fizemos a foto. Conversamos pra caramba e ali começou uma amizade. Em 2015 combinamos de encontrar, ainda tenho muito contato com o Ingo, em uma corrida em Goiânia da Stock Car. Mas o Bolinha não apareceu. O mais difícil era encontrar com o Ingo, ainda mais com o Rubinho, e ficamos a tarde inteira batendo papo. Almoçamos juntos. Eles lembravam dessa foto, vagamente, levei ela, mas o interessante é que o piloto que era mais acessível foi o mais difícil de encontrar”, rememorou, sorrindo.

Dudu Mazzei (à direita), ao lado de Walter Neto Bolinha, Rubinho e Ingo (Foto: Dudu Mazzei)

O conhecimento de Mazzei o levou, ainda, a cobrir a vitória de um amigo juiz-forano em Interlagos. “De 1988 a 1990 corremos no Rio de Janeiro em um passat, eu era o mecânico da equipe. E o Guigui (Luiz Guilherme Rosa Filgueiras) era um dos pilotos. Recentemente ele voltou a correr. Participa do Campeonato Nacional de Marcas, do Paulista… de vários campeonatos. E tenho o acompanhado fazendo fotos, matérias para revistas e blogs. Viajamos juntos, assisto de perto e sou pé-quente. Em algumas vezes que fui, ele chegou em primeiro lugar. Trinta anos depois da primeira vez, voltar em uma condição diferente e, mesmo assim, ver o sucesso de um amigo de infância em Interlagos, podendo fazer uma foto dele no pódio, é muito legal”, reitera o apaixonado por carros.

“Fazer o S do Senna era impressionante”

Rodrigo em Interlagos, prova que disputou em setembro de 1992 (Foto: Arquivo pessoal)

Entre suas vitórias e seus campeonatos disputados sobre duas rodas, o ex-piloto de motociclismo Rodrigo Pompeiano Paranhos, 53, certamente não irá se esquecer de um 33º lugar por diferentes motivos.

“Em 1992, a Honda me chamou para participar do Campeonato Brasileiro de Fórmula CBR 450, em que as etapas seriam todas em Interlagos. Participei da primeira, na realidade, porque entre, a primeira e a segunda, sofri um acidente de moto muito sério. Fraturei as duas pernas, a bacia, fiquei um ano me recuperando do acidente, três meses na cama e outros três na cadeira de rodas. Depois disso não retomei minha carreira de motociclista”, contextualiza Rodrigo.

“Não conhecia o circuito, estava acostumado a correr em Jacarepaguá, que era uma pista plana, e fui vice-campeão carioca de motovelocidade em 1988. Em Interlagos não tinha um patrocínio bom, cheguei sem conhecer nada da pista, tinha um treino de 20 minutos e ainda dei azar que cheguei lá no sábado e estava chovendo. A pista de lá era outro nível, com subidas e descidas, top. Não consegui pegar o jeito dela, ainda mais sob chuva. Mesmo assim, entre 48 pilotos, fiz o 32º tempo. Fui para a corrida no outro dia, com a pista seca, conhecendo-a, e fiquei em 33º”, conta, antes de descrever o que sentiu ao participar de uma prova passando por trajetos sagrados aos apaixonados por automobilismo.

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“Foi uma emoção muito grande. Descer aquele retão acelerando, fazer o S do Senna era impressionante. Você vinha de sexta (marcha) acelerando tudo no retão e, quando chegava a uns 200km/h, tinha que reduzir umas três marchas e fazer o S, que é só estando lá para entender. Foi só uma pena que não tive tempo para treinar. E nas outras etapas teria mais tempo, mas veio o acidente e minha carreira encerrou”, lamenta.

A emoção foi descrita com dificuldade também por Mazzei e Schubert. “O barulho do motor, o ambiente, a oportunidade de ver e conversar com grandes nomes. Pensa bem, um mineiro rodar cerca de 500km pra assistir uma prova e, quando ela acabasse, voltar pro carro porque não tinha como ir para hotel. É muito emocionante”, descreve Mazzei.

“A corrida já é um espetáculo, mesmo com a Fórmula 1 tão pra baixo se comparada ao passado. Eu gosto demais de corridas de carro. Tenho duas primas que moram na Europa e, ano sim, ano não vou visitar elas sempre coincidindo com alguma data de corrida. Em 2012 fui em Mônaco, em 2014 em Monza. E não sei se é a questão do calor do brasileiro ou uma memória afetiva por ter sido a primeira que fui, mas a corrida de Interlagos tem um astral que não sei explicar. Me traz um prazer muito grande. Acho que só não irei em alguma prova da Fórmula 1 se não houver em algum ano. Nesse é a penúltima (da temporada) e espero que tenha”, enfatiza Schubert.

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