Ao menos há alguns anos, a demissão de treinadores é tipificada como um crime hediondo no Código Penal da Crônica Esportiva. O clamor, no início, era, de certa maneira, contracultural, até que se estabeleceu como uma corrente dogmática convidativa. Pois o principal argumento a tiracolo para criticar a demissão de técnicos é a hipótese de que qualquer profissional precise de um tempo mínimo no cargo para implementar o próprio método de trabalho, o que é um raciocínio bastante lógico, diga-se. Entretanto, não há um consenso quanto a este período de carência. Se seis meses ou um ano, ninguém sabe. Apenas é de notório conhecimento público que o técnico precisa necessariamente de um tempo mínimo no cargo.
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O raciocínio é tão lógico, mas tão lógico, que, simplesmente, torce o nariz para as circunstâncias mais singelas do futebol – faço, inclusive, um mea culpa pelos tempos de cátedra. Ainda que religiosamente vendida, não há qualquer cartilha que, se seguida a risco, fará com que determinado time seja campeão. Cada clube tem estruturas e dinâmicas políticas particulares – associativas ou não –, símbolos históricos, torcedores – botafoguenses, por exemplo, são especialmente peculiares – e jogadores. Ainda que o futebol caminhe para se submeter cada vez mais a administrações tecnocratas, o que o faz ainda popular é o imponderável.
Como lhes é favorável, os próprios treinadores agarraram-se à hipótese de serem vítimas de um crime bárbaro diante da demissão iminente, embora muitos certamente sejam incapazes de conduzir bons trabalhos caso tivessem todo o tempo do mundo. Assim como quaisquer profissionais, treinadores podem simplesmente ser medíocres. Ou até horríveis. Não há período de carência para atestar que um trabalho esteja ruim. E que não há perspectivas para mudá-lo. Desde aspectos táticos, técnicos, e, sobretudo, humanos; não há trabalho que sobreviva à desconfiança de jogadores para com o treinador.
Por outro lado, há também treinadores que, se contratados, têm chances quase certas de desenvolver um trabalho espetacular ainda que em condições bastante adversas. A beatificação de treinadores é paradoxalmente um apreço frio pelo método enquanto a imprevisibilidade é relegada a um plano quase secular. Afinal, como mesmo disse Eduardo Galeano, “antigamente, existia o treinador, e ninguém dava muita atenção a ele. O treinador morreu, de boca fechada, quando o jogo deixou de ser jogo e o futebol profissional precisou de uma tecnocracia da ordem. Então nasceu o técnico (…)”.