Juiz-forana se destaca como preparadora física no futebol feminino do Vasco

Jaqueane Correa, de 25 anos, formada no Granbery, é a única mulher na comissão técnica do clube carioca


Por Bruno Kaehler

08/03/2020 às 07h00

Aos 25 anos, Jaqueane Correa já é referência no futebol feminino brasileiro. Juiz-forana do Bairro Santa Terezinha, Zona Nordeste da cidade, ela é a preparadora física das equipes femininas sub-16, sub-18 e adulta do Vasco da Gama desde setembro do ano passado. Mais que isso, a profissional formada na Faculdade Metodista Granbery, com pós-graduação em Futebol na Universidade Federal de Viçosa, é a única mulher nas funções de campo das comissões técnicas do Cruz-Maltino.

Profissional atua no Clube da Colina deste setembro do ano passado (Foto: Arquivo Pessoal)

“Dentro de um corpo técnico de futebol, as mulheres geralmente estão representadas como psicólogas, nutricionistas e assistentes sociais e quase nunca fazem parte da comissão”, explica Jaqueane à Tribuna. “Sempre joguei bola e, em 2019, depois da pós-graduação, recebi algumas propostas para deixar Juiz de Fora. Quando surgiu a do Vasco, como na minha vida me preparei sempre para trabalhar na comissão técnica, sem me imaginar como atleta profissional, decidi ir. Não por falta de capacidade (como atleta), ainda possuo, mas já tenho 25 anos e preferi ir para a área técnica. Tirando nutricionista e psicóloga, sou a única mulher da comissão técnica do Vasco”, relembra.

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A juiz-forana já foi, inclusive, campeã carioca na categoria sub-18, em um dos principais momentos de sua ascendente trajetória. “Trabalhar no alto rendimento era o que eu buscava. E particularmente sempre quis o Vasco, começar a trilhar uma carreira começando por aqui como meu primeiro clube grande. Vestir essa camisa é muito importante, pois revelou inúmeras jogadoras da seleção brasileira e para o mundo, como a Pretinha, Marta, entre outras. É um time de tradição. Estou ainda mais feliz por lutar cada dia em prol do crescimento do futebol feminino”, destaca Jaqueane.

Antes do acordo com o Vasco, Jaqueane realizou estágio no futsal de base do Clube Bom Pastor, em projeto vinculado com a escolinha do Flamengo, da categoria sub-9 até a sub-15. Depois, foi treinadora de goleiros e auxiliar nas quadras do Sport, também na formação de jovens atletas. Entre 2017 e 2019, treinou o sub-13 e o sub-15 da Inter Academy. No ano passado, defendeu equipe de futsal feminino do Granbery e do Tupi como treinadora do sub-9, além de preparadora física do sub-13 e auxiliar do sub-15.

“Desde o meu primeiro estágio percebi que ensinar era o que eu amo fazer. Passar todo o meu conhecimento, buscando, da teoria até a prática, melhorar a vida dos jogadores. Sempre trabalhei no masculino. No começo tive muito preconceito, como os gritos de ‘tira essa menina daí, ela não entende nada’. Como se só os homens entendessem de futebol. E não é bem assim, existem muitas mulheres capacitadas e buscam seu espaço sendo no masculino ou feminino. Vemos que a cada dia deve-se tratar a mulher como ela quer ser e valorizar o esporte que ela prática.”

‘As condições têm melhorado’

Conforme Jaqueane, das 61 equipes femininas em atividade no Brasil, somente oito são treinadas por mulheres. O ambiente, ainda de maioria absoluta masculina, contudo, tem mudado. Na última temporada, por exemplo, todos os clubes da Série A masculina passaram a ser obrigados pela CBF a terem uma equipe feminina adulta e uma de base que disputem ao menos um campeonato oficial.

Juiz-forana é uma entre menos de 30 mulheres a ocupar um cargo na comissão técnica de um grande clube no Brasil (Foto: Arquivo Pessoal)

“Em relação às atletas, as condições têm melhorado muito desde a Copa do Mundo. As pessoas e emissoras viram o futebol feminino com outros olhos. Tanto que o Brasileiro está passando na Band. Os clubes começaram a investir e valorizar mais, mesmo eu não achando boa a obrigação da CBF. Mais atletas tiveram oportunidades de jogar profissionalmente e isso é muito importante. Houve a criação de novos campeonatos pelas federações também no adulto e nas categorias de base para sustentar o futebol feminino. Lógico que hoje não chega próximo do masculino em base, investimento e salários, mas já houve um crescimento absurdo no último ano. Claro que o retorno financeiro ainda não vai existir, não tem como encher estádio e cobrar ingressos caros, mas a modalidade está crescendo, o mercado dos atletas está e vai seguir evoluindo”, contextualiza Jaqueane.

‘Estou lutando pelo meu sonho’

A juiz-forana é uma entre menos de 30 mulheres a ocupar um cargo na comissão técnica de um grande clube no Brasil, o que faz ela se sentir ainda mais especial. “Não sou sortuda, mas vitoriosa por realizar um trabalho de qualidade, estudar bastante e poder vincular a teoria com a prática. Me sinto importante, não só para o meu time, como para as pessoas que estão de fora”, conta.

Não há dificuldade que pareça diminuir a força de vontade de Jaqueane. “Estou lutando pelo meu sonho, mesmo em um meio machista. Falo que tenho que estudar muito mais que o homem e quando alguma coisa errada acontecer ainda tenho que provar que sou capaz. Existe preconceito, mas hoje muito menos porque o homem já tem olhado para nós de outras formas. Quando você mostra seu valor e sua capacidade ninguém duvida mais. Hoje me vejo uma pessoa capacitada para estar no Vasco, mas sempre estudando, buscando novos métodos de ensino, porque o futebol feminino está sempre em crescimento, assim como os estudos acadêmicos”, relata.

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A evolução não sai do pensamento da juiz-forana, que ainda crê na especialização do trabalho com a mulher no futebol. “Sou realizada e também tenho planos futuros, um grande sonho de chegar a vestir a camisa amarelinha. Quero ser preparadora do feminino, o que já comecei a fazer. A demanda já existe”, esclarece.

Referência em campo e fora dele, Jaqueane lembra. “Aos poucos, as mulheres estão ocupando espaços que seriam impensáveis de se conquistar anos atrás. Afinal de contas o futebol é para todos aqueles que estão qualificados para assumir qualquer cargo na área.”

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