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Por caminhos e descaminhos

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Wallyson, firme na carreira de goleiro, traz no peito a dor e a imagem do irmão (Foto: Marcelo Ribeiro)

“O talento trouxe você aqui. O caráter vai mantê-lo.” A frase estampada no centro de treinamento do Red Bull Brasil, em Campinas, inspira o jovem Wallyson Sanders, 14 anos, a seguir em frente na carreira de goleiro e escrever uma história diferente do irmão, assassinado em fevereiro passado. Victor Sanders da Rocha Santos, então com 19 anos, foi executado quando deixava o Ceresp. Ele estava preso na unidade pelo crime de receptação. Destaque como meio de campo, o jovem morador da Vila Olavo Costa, Zona Sudeste, jogou em diversos times da cidade e chegou a ser chamado para um teste no Flamengo. As drogas, porém, afastaram-no da sua habilidade com a bola e o levaram para o crime.

Victor não é o único talento desperdiçado. A Tribuna foi atrás de outros meninos de bairros periféricos da cidade que também tiveram no esporte a chance de mudar sua realidade, mas acabaram se perdendo na criminalidade. Outros, apesar de não terem conseguido seguir a carreira de atleta, espelharam-se nos exemplos aprendidos nos campos e quadras para conseguir mudar suas realidades.

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O pai dos garotos Victor e Wallysson, Jefferson Sanders, 40, também já jogou futebol, foi cabeça de área das categoria de base do Tupi. Ele conta que sempre fez questão de incentivar o filho mais velho a se esforçar nos gramados. “Desde novo o Victor era muito bom. Aos 15, entrou para a escolinha do Botafogo, depois foi para o time do Clube Bom Pastor. Durante dois anos ele se dedicou, os técnicos ficavam loucos com o talento dele. Victor chegou a ser chamado para uma peneira no Flamengo, porém, preferiu o caminho errado. Daí para frente, nunca mais saiu do crime”, conta.

Na avaliação de Jefferson, os dribles poderiam ter ajudado o adolescente a ter um futuro diferente. “Tenho certeza, e não falo só como pai, que hoje ele estaria muito bem. Mesmo que não fosse famoso, ou rico, mas estaria jogando em um bom time.” Hoje, o pai ajuda Wallyson a seguir no propósito de ser goleiro. O adolescente aguarda resposta do Red Bull Brasil, time do interior de São Paulo, onde ficou por 15 dias em teste. “Sei que vou ter um futuro muito diferente do meu irmão. Acho que a frase do centro de treinamento resume bem tudo: não adianta só talento se você não escolhe um caminho certo. Vou lutar e não vou desviar, tenho certeza que vou alcançar minha meta”, disse Wallyson.

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Bola fora

A Vila Olavo Costa também viu crescer um destaque do basquete. W.S., hoje com 23 anos e 1,95m de altura, foi visto por um treinador jogando na rua com um amigo, quando tinha 14 anos. Sua altura e desenvoltura chamaram a atenção, ele seguiu para um time da cidade que acabou extinto e depois foi jogar no Vianna Júnior, de onde viajou para atuar em diversas cidades. “Ele era um dos melhores. Foi chamado para jogar em uma equipe de Três Rios. Na época, fiquei receosa e não deixei. Depois, quando ele já estava mais velho, foi jogar no Rio de Janeiro, ficou lá por um ano”, contou a mãe, que não quis ter o nome divulgado.

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Com dificuldades de se manter na capital fluminense, aos 21 anos W.S. resolveu voltar para Juiz de Fora, e pouco tempo depois “se envolveu companhias erradas”. Segundo a mãe, o rapaz guardou drogas no imóvel em que morava, foi flagrado pela polícia e detido. Há dois anos está no Ceresp. Agora, ela acredita que o basquete poderá trazê-lo de volta para o caminho do bem. “Ele se desviou. Mas não tem uma vez que vou visitá-lo que ele deixa de mostrar a vontade que tem de voltar a jogar. Tenho fé que ele sai ainda este ano e retoma a carreira. Isso vai ser, como sempre foi, o que irá mudar a vida dele.”

Deslize barra-pesada

Moradora da Zona Norte da cidade, M.F.S., 37 anos, que preferiu não ter o nome divulgado, também viu o sonho do filho se perder depois de apertar o gatilho e quase tirar a vida de um homem. M.S., na época com 17 anos, jogava nas categorias de base de um time da Série B do Campeonato Brasileiro. Ele ficou na equipe por dois anos e meio e estava prestes a subir para o time principal. “Ele era apaixonado por futebol. Deixei de comprar coisas para dentro de casa para ajudá-lo a seguir a carreira. Antes de entrar de vez para o futebol, ele dava muito trabalho, já se envolveu em furto, roubo e usava droga. Depois, tudo mudou, ele virou outro.”

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Porém, em um período do ano passado, quando veio em casa, W.S. fraquejou. Não quis mais voltar para o clube e acabou cometendo a tentativa de homicídio. Ele e outros dois jovens atiraram em um homem – a motivação seria ligada ao tráfico de drogas. O atleta acabou acautelado. Quando saiu do regime fechado, não voltou a morar com a mãe. “É um sonho e uma esperança que se perdem. É muito triste ver que seu talento, que o tirou do crime, poderia mudar sua vida de verdade”, lamenta a empregada doméstica.

No final do último mês, um adolescente, 16, que também se destacava no futebol como atacante, se perdeu. O jovem e outros quatro adolescentes são apontados pela polícia como os autores de um duplo homicídio, ocorrido em Filgueiras, Zona Nordeste. O menino vinha treinando em uma escolinha de futebol de um clube pequeno, mas tradicional do Rio de Janeiro, e chegou a participar recentemente por uma peneira de um time da Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro. Muito abalada, sua família preferiu não dar entrevista.

Um bom futuro, mesmo sem chuteiras

Júnior Vitor da Silva Lage se dedicou ao futebol desde os 9 anos de idade. Jogou nas categorias de base do Tupi e do Sport, como volante e lateral-direito. Morador da Vila Olavo Costa, passava os dias nos campos. Seu sonho sempre foi se tornar um jogador profissional, mas a vida o levou para outro caminho. Por conta das dificuldades em casa, o caçula de seis irmãos teve que começar a trabalhar aos 16 anos. “Aqui em Juiz de Fora é muito difícil você conseguir fazer uma carreira no futebol. Eu via que talvez não fosse conseguir e não podia perder tempo. Ficou difícil conciliar trabalho e futebol, e eu precisei largar a bola”, disse.

Apaixonado pelos esportes, Júnior amadureceu seu sonho. Começou a fazer faculdade de educação física e hoje, aos 29 anos, aguarda ansioso a formatura no meio deste ano. Para ele, seu contato com o esporte foi essencial para seguir no caminho certo. “Fiquei muitos anos no Curumim (projeto que oferece atividades a crianças em situação de vulnerabilidade no contraturno escolar), lá tive contato com diversas modalidades esportivas, foi isso que me fez escolher essa profissão. Sempre tive uma base familiar, mas o esporte ensina a ter disciplina.”

Bifurcação

O professor de educação física Álvaro Freitas trabalha há 27 anos com crianças e adolescentes em projetos sociais da Prefeitura ligados ao esporte. Em sua avaliação, as dificuldades típicas da carreira de atleta também contribuem para que muitos meninos e meninas talentosos se percam. “A verdade é que faltam investimentos, políticas públicas. Não adianta talento sem uma estrutura por trás, e a maioria das famílias não consegue dar este apoio. Além disto, a peneira é muito severa. Infelizmente, aqueles que têm uma habilidade média não conseguem seguir com facilidade”, comentou.

O educador, que se define como um apaixonado pelo trabalho que desenvolve e pelos alunos, conta que já viu muitos talentos seguirem pelo caminho errado. “A sensação, com certeza, é de frustração. Mas não encaro como se eles não tivessem dado certo no esporte. Deram sim, até onde conseguimos segurá-los e ajudá-los. Sempre irá existir dois caminhos. Nós mostramos o do bem, mas, infelizmente, alguns seguem pelo outro.”

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