O Projeto de Lei nº 168/2023, que assegura às mulheres o direito ao pagamento de meia-entrada em jogos de futebol em todo território nacional, foi levado ao Congresso Nacional pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). O benefício será concedido em até 50% da carga total dos ingressos, se for aprovado. Para a parlamentar, o PL visa a “inclusão plena” das mulheres no universo futebolístico. O tema também levanta o debate sobre a pacificação das arenas.
Sâmia, de 33 anos, é uma das vozes ativas do feminismo na política brasileira. Ao Estadão, ela explicou que foi procurada por Analu Tomé, conselheira do Corinthians e co-fundadora do movimento Toda Poderosa Corinthiana, para pensar em propostas que estimulem a participação feminina no futebol, seja nas arquibancadas ou no jogo em si (árbitras, treinadoras e jogadoras). No projeto levado ao Congresso, ela cita o Decreto-Lei Nº 3.199/1941, que por quatro décadas proibiu as mulheres de praticar a modalidade, como determinantes para a inibição da presença feminina nas arenas ao longo dos anos.
“Essa política misógina refletiu não apenas no assédio e na discriminação de gênero, mas também na falta de profissionalização, na oferta de baixos salários e nas condições precárias que afetam desde as esportistas até as jornalistas que cobrem futebol. Avançamos na visibilidade das trabalhadoras do segmento, especialmente com a Supercopa Feminina, mas ainda falta muito para promover a plena inclusão das mulheres no futebol”, afirmou.
A deputada argumenta ainda que a medida pode impactar positivamente na arrecadação dos clubes com bilheteria e a comercialização de produtos oficiais. Sâmia também ressalta a situação das mães solo subempregadas ou submetidas à desigualdade salarial. Segundo ela, essas mulheres dificilmente têm a oportunidade de ir a uma partida do time de coração, e o incentivo da meia-entrada tem a função de aumentar essa possibilidade.
“O benefício movimenta toda a cadeia de consumo que envolve o futebol, isso já foi comprovado em ações muito bem sucedidas que alguns clubes promovem, por exemplo, nas comemorações do 8 de Março (Dia Internacional da Mulher)”, afirma. No documento, é citado uma ação do Governo de Sergipe, que anunciou para este mês de março a disponibilidade de meia-entrada para todas as mulheres.
Pacificação dos estádios
Os estádios têm um estigma de serem locais potencialmente violentos, onde vale tudo, de gritos misóginos e homofóbicos a agressões físicas. A sugestão de uma maior presença feminina nas arquibancadas levanta um debate sobre a pacificação das arenas. Para Sâmia, uma sociedade mais pacífica passa justamente pelo convívio com a diversidade, em que homens e mulheres ocupam os mesmos espaços, com os mesmos direitos e oportunidades de acesso
Para Raquel Sousa, mestre em Ciências Sociais e especialista em Policiamento e Segurança em Eventos Esportivos pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a instauração da lei pode ajudar a pacificar os estádios, mas “a problemática é maior”. Para ela, a legislação deve ser acompanhada de campanhas de conscientização, seja para a necessidade da presença feminina no ambiente esportivo, como também para incentivar a denúncia de assédios na delegacia do torcedor. Além disso, as autoridades devem estar preparadas para atender corretamente demandas do tipo.
“Em suma, a lei, sozinha, de maneira isolada, não resolverá o problema das mulheres no ambiente do futebol e pode inclusive aumentar o valor dos ingressos que já não estão baratos, gerando uma maior segregação socioeconômica”, diz. “As relações sociais presentes nos estádios podem ser hostis à presença feminina, mas a culpa não é do estádio, são das relações machistas que permeiam a sociedade.”
Em janeiro, o Paraná passou por uma experiência inédita com a presença apenas de mulheres e crianças em jogos de Coritiba e Athletico-PR. Os clubes foram punidos com jogos sem torcida por causa de uma briga generalizada, mas conseguiram converter a pena em ações colocando apenas o público feminino e infantil nos estádios. No mês seguinte, lideranças de três das maiores torcidas femininas de Curitiba compareceram à Câmara Municipal para debater ideias para aumentar a segurança de mulheres em jogos.
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A pesquisadora do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME) da Uerj, Leda Costa, explica que o período de maior incidência de casos violentos aconteceu no final da década de 1980 e início dos anos 1990. A especialista faz questão de ressaltar, porém, que a questão da importunação sexual às mulheres em partidas nem sempre recebeu a atenção que deveria, contribuindo para o público feminino não ver as arenas como espaços acolhedores. Leda defende que o PL seja debatido com a participação dos grupos interessados e deixa claro que o tema não passa somente pela questão de preço, mas também pela necessidade de transformar as arenas em locais seguros às mulheres.
“Os estádios historicamente se configuraram como um espaço de exaltação e manutenção de uma masculinidade agressiva, com cânticos demasiadamente ofensivos. Isso já contribuiu para o estádio ser pouco convidativo. E a isso se soma a violência urbana. Vivemos em um País com um alto índice de feminicídio e para ir ao estádio é preciso trafegar pela cidade, o que não é tão simples assim para as mulheres. Depois, ela (a mulher) tem que entrar em um lugar que historicamente banalizou a questão do assédio. É necessário políticas públicas com participação ativa dos clubes para que esses locais sejam mais acolhedores.”