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No Borboleta: do Estádio Regional ao motocross, kartódromo, Monark e condomínio

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Capa do jornal número 1 da Tribuna de Minas, em 1º de setembro de 1981 (Foto: Reprodução TM)

“Estádio Regional cede seu terreno à Monark”, informava a primeira manchete da Tribuna de Minas, datada de 1º de setembro de 1981. Este seria um dos capítulos mais importantes não somente da história do jornal, que completou 40 anos na quarta-feira, como também de um roteiro típico de novela sobre a utilização da área localizada no Bairro Borboleta, na Cidade Alta, de 300 mil metros quadrados. Com o entusiasmo da população, apoiadora em sua maioria, na construção de um novo palco esportivo para o futebol juiz-forano, o terreno também foi utilizado para inesquecíveis eventos de motocross e kart e, com o tempo, na construção do condomínio Neo Residencial, presente até os dias atuais.

Aquela edição, de reportagem assinada pelo jornalista Márcio Guerra, apresentava a confirmação da aprovação do terreno pela fábrica de bicicletas Monark, que ressaltava aguardar apenas o aval do então prefeito juiz-forano, Mello Reis, para oficializar o negócio e gerar centenas de empregos ao município. Ainda no texto, contudo, o mandatário do Executivo admitia que a área era ideal para a indústria, mas não confirmava o acordo, sendo pressionado por diversos setores da sociedade.

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“Na época de preparação das edições, do piloto pela Tribuna, estávamos acompanhando a questão da evolução da construção do Estádio (Regional). O prefeito Mello Reis tinha feito uma campanha grande de venda de cadeiras cativas, da mesma forma que tinha acontecido na primeira projeção do Estádio Municipal, em 1968, para o Jóquei Clube, quando Geraldo Mendes era o presidente da Liga de Futebol de Juiz de Fora. Aquele projeto fracassou, e esse outro estava andando, tinha o serviço de terraplanagem já feito”, recorda o autor da apuração e produção da primeira manchete da Tribuna, Márcio Guerra.

Conforme o jornalista e professor, a possibilidade de cessão do terreno, que pertencia à Prefeitura, para a Monark naturalmente “gerou uma polêmica muito grande, mas estava encaminhada com o argumento de dar empregos, de ser uma grande indústria para Juiz de Fora, o que sobrepunha aos interesses esportivos.”

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Ao mesmo tempo em que a geração de emprego favorecia a chegada da empresa de São Paulo, a expectativa criada nos torcedores e dirigentes esportivos de Juiz de Fora era a de que, com o Estádio Regional, o futebol local elevasse de nível. “Porque o discurso de todo mundo era de que o futebol local precisava de um estádio maior do que o do Sport para se desenvolver. Sempre houve esperança dos torcedores nisso, mas acabou que o próprio Estádio Radialista Mário Helênio se transformou em uma frustração em termos de desenvolvimento de esportes. O estádio está lá, com todas as suas qualidades, e ainda alguns problemas, mas continua o futebol de Juiz de Fora no mesmo patamar de antes”, conta Márcio. “Era um período de gigantismo dos estádios. Quem construía um palco maior ganhava projeção. Seria um até extremamente exagerado para o tamanho de Juiz de Fora”, recorda-se, levando em conta que o projeto falava em uma capacidade de receber até 60 mil pessoas.

Terreno no Borboleta que sediaria o Estádio Regional (Foto: Arquivo TM)

Nem Monark, nem Estádio

Os anos se passaram e a novela se arrastava, com a Monark cada vez mais distante não apenas da uma instalação no Bairro Borboleta, como em Juiz de Fora – houve a possibilidade posterior da construção no Distrito Industrial. Em edição da Tribuna de 11 de maio de 1983, o então deputado José da Conceição (PMDB) garantia que, em função das exigências feitas pela fábrica para a vinda ao município, o projeto se mostrava inegociável.

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“O volume financeiro que o Estado empregaria na Monark poderia ser investido em outras atividades que gerassem maior número de empregos e outras garantias (…) com as isenções de impostos e doação de terreno que a Monark exige, dificilmente o Estado concordará na sua instalação em Juiz de Fora, ou qualquer outro local de Minas”, afirmava à época.

A ruptura do processo de instalação em JF foi confirmada, à época, por Márcio Guerra, anos depois. “Eu tinha um parente que trabalhava na Monark, em São Paulo. E ele me falou que a ideia de vinda da fábrica para Juiz de Fora havia sido cancelada”, rememora. Naquele tempo, o Estádio Regional, diante das incertezas que pautavam o noticiário estadual, já parecia descartado na Cidade Alta. “Com o cancelamento da vinda da Monark, aquele terreno gerou outro transtorno, sobre o que seria feito com ele. Demorou até decidirem pela construção do Neo Residencial. E até isso, toda vez que chovia, o Borboleta era um mar de lama.”

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As condições da área, mencionadas por Márcio, teriam sido determinantes, inclusive, para que o espaço não recebesse a praça esportiva. “Quando foi feito um levantamento topográfico, verificou-se que ali poderiam ser causados sérios problemas. Acabou-se decidindo, então, por não fazer lá. Também houve uma tentativa de utilização do Centro Olímpico da UFJF, depois, para a construção do estádio, aproveitando a topografia. Aí ocorreu um movimento dos estudantes e professores da Educação Física contra essa ideia que o reitor Sebastião Marsicano estava muito interessado em fazer”, conta o ex-repórter e editor da Tribuna.

A região chegou a ser pauta ambiental, no Morro do Alemão, visto que denúncias apontavam que a erosão da área contribuía para acelerar o assoreamento do Rio Paraibuna, entre os problemas.

Negativo reproduzido pelo fotojornalista Fernando Priamo com imagem do terreno no Borboleta (Foto: Valéria Frossard/Arquivo TM)

‘O conto das cadeiras’

Sem a construção do Estádio Regional no Bairro Borboleta, os torcedores que haviam comprado cadeiras cativas arcaram com o prejuízo, sem conseguirem reaverem os montantes gastos. O episódio, reincidente, teria ficado conhecido como “o conto das cadeiras”.
“Foi a reedição do que tinha acontecido no Jóquei Clube, onde seria construído o primeiro projeto de estádio. Também venderam muitas cadeiras e as pessoas que compraram ficaram sem o dinheiro. Tanto que o Tarcísio (Delgado), quando fez a campanha de aquisição de cadeiras cativas para o Estádio Municipal, teve uma procura bem pequena e acabou não vingando”, explica Márcio.

Apesar das polêmicas, o autor da primeira manchete do jornal reitera sempre possuir boas lembranças da época. “Sempre me recordo da emoção de ver o começo da rotativa da primeira edição da Tribuna. É um momento inesquecível na minha vida e que sempre relembro. Quando estou lendo a Tribuna, me recordo daqueles momentos que poucos jornalistas tiveram a oportunidade de ver: o nascimento de um jornal.”

A pista de motocross e o kartódromo

Motocross despertava a atenção de milhares de pessoas, como no Festival de JF em 1984 (Foto: Douglas Fedóceo/Arquivo TM)

Se o Estádio Regional passaria ao Aeroporto, em projeto que culminaria no atual Radialista Mário Helênio, e a Monark não se instalaria no Borboleta, a área de 300 mil metros quadrados não deixou de receber milhares de juiz-foranos. Isto porque, por muitos anos, o espaço sediou tanto uma pista de motocross e modalidades semelhantes, quanto um kartódromo, posteriormente.

O arquiteto Luiz Antônio Saraiva Campos, mais conhecido como Tiziu, foi responsável por organizar a maioria das provas de motocross mais marcantes daquela época, a partir de 1984. “Aquilo ficou praticamente parado depois da possibilidade da chegada da Monark. Eu estava estudando arquitetura no Rio, vim em Juiz de Fora e soube de um evento que tinha acontecido lá, mas que não tinha dado muito certo. E eu fazia corridas na cidade desde 1977, uma prova no Cascatinha, de lançamento do bairro. Depois fiz duas em 1978, outra em 1979. E as corridas pararam. Em férias da faculdade, no início da década de 1980, eu estava em casa e chegaram o Renato Machado, o Eduardo Toscano e o Eduardo Calixto, que já estavam desenvolvendo o motocross em terrenos da cidade, e me disseram que tinham conversado com o Tarcísio Delgado, em 1982 (eleito prefeito de JF naquele ano) e ele tinha liberado fazer motocross na Fazenda Santa Cândida, onde hoje tem um condomínio popular. O Renato levou as máquinas dele, fizemos a pista e uma corrida. Isso no Monte Castelo”, contextualiza Tiziu.

O amante de motocross, eleito então presidente do Moto Clube, conta que a cidade viveu um boom na modalidade. “Organizei 17 corridas na minha vida, muitas delas pegaram, a nível nacional. Muita gente da cidade começou a correr e vieram os trilheiros em seguida. O custo das motos de motocross era alto, mas para as trilhas, as motinhas, não tanto”, conta. “Fizemos uma corrida (7ª Etapa do Campeonato Mineiro de Motocross) no final do mandato do Tarcísio (Delgado) e, na época, foram mais de 21 mil pagantes assistindo. Ganhamos uma moto da Honda pra sortear pelo bilhete, foi um sucesso. Trouxemos dois norte-americanos, Keny Keylon de Rodney Smith. Teve outro evento em que trouxemos paraguaios também, era muito bacana. Chegamos a distribuir quase cem credenciais nesses eventos, muita gente da Tribuna e do Brasil inteiro”, recorda Tiziu.

O jornalista e mecânico Dudu Mazzei lembra, ainda, das apresentações vistosas do piloto juiz-forano Guto Lima. “Cada vez que ele participava era um show. E, com isso, vieram outros pilotos de motocross andar aqui na cidade. Movimentava Juiz de Fora, lotava de gente, porque eram eventos bem organizados e que chamavam a atenção desde aquela época.”

“Na época, já tinham muitas crianças interessadas, com os pais pegando umas motinhas. Depois o Guto (Lima) fez uma pista, teve uma escola de motocross que recebia pilotos de várias cidades, mas tudo acabou sendo perdido com o tempo”, lamenta Tiziu, que ainda afirmou entender que o fim da pista de motocross, bem como do Moto Clube, se deu por falta de capacidade de gestão e desinteresse político com o passar dos anos.

Cristiano da Matta, Cacá e Popó Bueno, Rubinho…

Especialista em automobilismo, Dudu Mazzei reforça que o kartódromo recebeu nomes que acabaram se tornando referências no esporte mundial. “Me recordo de momentos inesquecíveis, porque vinham pilotos do Brasil inteiro. Cristiano da Matta, que depois correu Indy, os irmãos Bueno, o Cacá e o Popó, o Rubinho (Barrichello). Muitos pilotos que vieram participar e depois despontaram no automobilismo. Vinham por conta da localização estratégica de Juiz de Fora no mapa brasileiro e também pela pista, nova, que permitia possibilidades de escolher um traçado mais travado ou de maior velocidade. Era muito bacana poder conviver com esses pilotos que nem sabíamos que um dia iriam despontar no cenário mundial. Inclusive os pilotos daqui. Era fantástico.”

A estrutura certamente moldou toda uma geração de pilotos vencedores na Zona da Mata mineira. “Me lembro de uma corrida, em 28 de maio de 1989, que foi um marco pela quantidade de gente que teve acesso ao kartódromo. Dali pra frente, o automobilismo ganhou corpo por conta do kart, que hoje, por uma pena, está meio apagado no cenário do automobilismo nacional, o que dificulta pra quem quer começar. Me preocupa projetar as gerações futuras. Como vai ser? A vantagem é que hoje temos o Autódromo Potenza, mas o kart é a escola de pilotagem, de acerto pra mecânico, de tudo. É uma categoria-base primordial para o automobilismo”, questiona Dudu.

Registro do Kartódromo Borboleta, que recebeu o nome de Ayrton Senna após a morte do piloto brasileiro (Foto: Arquivo TM)

Espaços como a pista de motocross e o kartódromo, inegavelmente, fazem falta não apenas como forma de entretenimento à população. “O interessante desse aspecto de ter um autódromo, um kartódromo, é que vem muita gente de fora trazer dinheiro para o município. Você vê que hoje a cidade é carente de turismo esportivo, por exemplo. É uma indústria que movimenta muito dinheiro. Na última corrida do Potenza, do Campeonato Mineiro de Marcas, por exemplo, pelo menos 25 equipes participaram. Com três ou quatro carros, mecânicos, auxiliar, muitos compram peças na cidade, abastecem na região, se alimentam, usam os hotéis. Olha a força que o kartódromo poderia ter até hoje em Juiz de Fora. É uma pena, parece que no automobilismo também vale aquele pensamento de que tudo que é bom dura pouco.”

A curta duração, para o mecânico e jornalista, se deu também por falta de interesse político com o passar dos anos, em um palco que chegou a receber o nome de Ayrton Senna, após a morte do ídolo brasileiro. “Acredito que tenha sido a dificuldade econômica, porque é uma categoria que também consome muito dinheiro, mas uma falta de vontade política, porque, querendo ou não, tudo passa na mão da administração pública, quando não é um projeto privado. Infelizmente nas transições de prefeitos e governadores, foi acabando a ponto de aparecer uma proposta, houve o esvaziamento do kartódromo, de participação e gente ativa, e preferiram entregar.”

Tiziu, que foi jornalista colaborativo da Tribuna na divulgação do motocross juiz-forano pelo Brasil entre 1982 e 1985, ainda recorda-se da relevância das modalidades em JF: “O Guia Quatro Rodas, a partir de 1978, indicava como atração turística da cidade o motocross. Eram, normalmente, uns 80 pilotos vindo com seus ajudantes. Aí tem familiares que acabavam acompanhando também. Só de pessoas envolvidas eram 300, 400. A economia da cidade ganhava muito.”

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