O Brasil é cada vez mais um país de cabelos brancos. Hoje temos quase 23 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais, o que corresponde a 11% da população, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o órgão, a expectativa é que esse número quadruplique em pouco mais de 30 anos. Também em ritmo crescente está a participação desta parcela da população no mercado de trabalho. A vasta experiência, o desejo por melhor qualidade de vida e a possibilidade de complementar a renda da aposentadoria são os principais fatores que motivam profissionais da terceira idade a continuarem trabalhando.
Em 2010, Juiz de Fora somava quase 17 mil idosos economicamente ativos, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE. Na análise de especialistas, esse número deve ter ampliado consideravelmente até os dias de hoje, visto que, nos últimos três anos, a presença da terceira idade no mercado de trabalho aumentou em todo o país. “A pessoa chega hoje aos 60 anos muito mais disposta e preocupada com a saúde do que há alguns anos. A vontade de se manter em atividade associada à necessidade de complementar a renda fazem com que esses profissionais queiram trabalhar”, destaca o conselheiro da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Minas Gerais (ABRH-MG), Carlos Alberto Caram. “Do outro lado, temos o contexto econômico, em que as empresas enfrentam dificuldade de recrutar mão de obra qualificada. O idoso oferece a experiência, a responsabilidade e o comprometimento que o empregador requer”, completa.
O vendedor da loja Tecidos Marabá, Jorge Bertolino, ilustra bem esta realidade. Aos 71 anos, dos quais 49 são dedicados ao trabalho no mesmo estabelecimento, ele não pensa em parar tão cedo. “Trabalho desde os 14 anos, não conseguiria me adaptar.” Segundo ele, o emprego faz “toda a diferença” em aspectos psicológicos, sociais e financeiros. “Com a aposentadoria, eu conseguiria pagar as despesas com a alimentação, mas a gente quer um pouco mais”, brinca.
O “pouco” inclui o pagamento do plano de saúde para ele e a esposa, sua principal despesa, e a ajuda financeira aos cinco filhos e seis netos. “Faço tudo por eles, família é isso.” Ele analisa que, no decorrer dos anos, a desvalorização da aposentadoria chegou a mais de 50%. “Paralelo a isso, os preços só aumentaram. Apenas com a renda de aposentado não seria possível ter a mesma qualidade de vida que tenho trabalhando”, justifica.
A rotina de Jorge começa cedo, com uma caminhada todos os dias antes de ir para a loja, onde cumpre a carga horária do comércio, de 44 horas semanais. “Não tenho e não quero nenhum tipo de regalia por causa da idade. Trabalho como todos os colegas e me preocupo bastante com a saúde para poder estar bem e fazer o meu melhor.” Na loja, ele é considerado “professor” pelos demais funcionários, que destacam a generosidade em dividir a experiência como uma das principais qualidades do vendedor. “Nós todos aprendemos muito uns com os outros”, garante Jorge.
Fonte de Renda
O estudo “Panorama dos idosos no Brasil”, realizado pelo Instituto Data Popular, mostrou que o rendimento da terceira idade no país chegou a R$ 446 bilhões no ano passado, o equivalente a um quinto do total da renda nacional. Segundo avaliação do Centro Nacional de Apoio ao Aposentado e Trabalhador (Cenaat), boa parte dos idosos brasileiros participa de forma significativa da fonte de renda familiar. “A maioria continua colaborando com o sustento dos filhos e netos”, afirma o advogado da instituição, Carlos Elias.
O presidente da Associação dos Aposentados de Juiz de Fora, Geraldo Gonçalves de Lima, confirma. “Acompanhamos muitos casos do tipo na cidade. Com a defasagem da aposentadoria, o trabalhador continua na ativa para garantir o mesmo padrão de vida.”
A cozinheira do Berttu’s Restaurante, Maria das Graças da Silva, 66 anos, diz que faz questão de ajudar financeiramente a família. “Tenho um casal de filhos, 12 netos e quatro bisnetos. Gosto de trabalhar para ocupar a cabeça e ganhar o meu dinheiro. No que eu puder, sempre vou ajudá-los.” Ela conta que, recentemente, contribuiu para a construção da casa da filha. “Também colaboro, no que for possível, com a educação das crianças.”
Desaposentação
De acordo com Geraldo, a desaposentação seria a melhor alternativa para mudar o cenário em que o idoso se vê obrigado a trabalhar por conta da defasagem da aposentadoria. A medida prevê que o aposentado que continuou trabalhando e contribuindo com a Previdência Social renuncie ao benefício antigo e solicite outro, com base em cálculo atualizado de idade e tempo de contribuição.
A Previdência Social não admite a renúncia ao benefício e, por isso, os segurados têm recorrido à Justiça para garantir a revisão da aposentadoria. A desaposentação começou a ser discutida em 2010 e, no dia 29 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento sobre a matéria por prazo ainda indefinido.
Experiência valorizada, potencial desconhecido
Aloysio Libano Paula, 68 anos, já era aposentado quando foi contratado pela MRS Logística, em 1997. Acumulando várias experiências na vida profissional, que começou aos 13 anos, como faxineiro, ele hoje atua como especialista em análise de riscos da companhia. O cargo incorpora funções de consultoria em processos judiciais.
Casado há 40 anos e pai de três filhos, ele destaca que “recursos extras sempre ajudam a melhorar a qualidade de vida e investir no futuro”, mas que o prazer pelo trabalho é o principal motivo que o faz não querer pensar em parar. “O trabalho na ferrovia é apaixonante.”
Apesar de realizado há 17 anos, o recrutamento de Aloysio mostra uma tendência atual no mercado de trabalho. “A presença de pessoas acima de 60 anos está crescendo, principalmente, em áreas de consultoria e gestão. As empresas estão valorizando cada vez mais esta experiência e abrindo espaço para cargos de especialistas”, diz o conselheiro da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Minas Gerais (ABRH-MG), Carlos Alberto Caram.
“As empresas perceberam que empregar idosos é um bom negócio, eles dispõem de uma mão de obra mais qualificada e de um amplo conhecimento”, aponta o advogado do Centro Nacional de Apoio ao Aposentado e Trabalhador (Cenaat), Carlos Elias. Ele destaca que, de acordo com o Estatuto do Idoso, pessoas na terceira idade têm direito ao exercício de atividade profissional, sendo respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.
Mudanças
Mesmo com o crescimento da presença de profissionais da terceira idade no mercado, Caram destaca que ainda é preciso mudar a maneira de enxergar esta participação. “As oportunidades têm surgido por conta do contexto econômico, em que o mercado está desaquecido. Do contrário, a preferência continua sendo dos mais jovens.”
Para o assistente social e gerontólogo, José Anísio Pitico da Silva, esta mentalidade precisa mudar. “Ainda há muito preconceito para contratação de trabalhadores com mais de 60 anos. A sociedade ainda tem uma visão negativa de que este público é incapaz de produzir.”
Pitico destaca que é importante que os empregadores não só abram espaço para os profissionais idosos, mas também identifiquem suas competências de forma que consigam potencializá-las. “É certo que eles têm muito a contribuir, mas ainda falta conhecimento sobre esse potencial por parte da sociedade.”